A Descoberta de Si
Ao abrir os olhos não tive consciência de nada a não ser de uma mariposa. Era pequena, branca à luz fraca. Parecia estar ferida. Uma das asas não mexia. A poucos centímetros do meu nariz, tentava escalar uma parede escura. Subia pela madeira e continuava caindo, tentando novamente e caindo. Agitando as asas, veio direto na minha direção.
O tempo estava frio. O ar era congelante. Minhas mãos estavam dormentes. Onde eu estava? Voava. A corrente de ar em meu rosto era o vento batendo enquanto eu me virava para evitar um grupo de nuvens negras, partículas atmosféricas, gelo, poeira e flocos de neve afiados colidindo contra meu rosto. Uma nota aguda soava em meus ouvidos, um som doloroso feito uma agulha comprida costurando meu cérebro.
Tentei me sentar, mas minha cabeça bateu em algo. Estiquei a mão. Era uma parede de madeira lisa. Eu estava dentro de alguma coisa, uma cápsula girando de cabeça para baixo, vibrando com a velocidade. Mas era apenas um sonho. Esqueci o medo. Estiquei as pernas — ainda calçava as botas — e elas encontraram outras paredes dos dois lados. Aquilo onde eu estava, aquela nave espacial, era apertada, mas cerca de meio metro maior do que eu.
Abri os olhos, piscando, mas não havia nada para ver, como se eu estivesse suspenso bem acima da Terra, entre camadas de atmosfera e o espaço sideral. O som em meus ouvidos cessou.
Não tinha nada com que me preocupar, porque acabaria acordando. Para isso serviam os sonhos, o despertar, a onda de alívio, o choque de que a mente podia ser tão facilmente enganada, lençóis embolados, a luz do sol entrando por uma janela. Mas então, por que a pressa? Se o sonho era fruto de meus medos e desejos inconscientes, por que não permanecer aqui dentro mais um pouquinho, disparando pelo espaço, para explorar o sonho, examiná-lo, descobrir suas leis e seus parâmetros, e do que eu tivera tanto medo?
Meus braços se esticaram tocando as laterais. O caixão. Estou em meu caixão. Abri os olhos. Aquilo não era um sonho, me dei conta com um horror súbito.
Eu não podia acordar. Estava acordado.
A mariposa branca… De algum modo ela chegara ao teto e se deslocava em círculos, como se também percebesse que estava presa, que não tinha para onde ir.
Comecei a gritar, esmurrando as paredes com os punhos, batendo e chutando. Soava como se estivesse apenas gritando para um buraco vazio na terra.
Ah, meu Deus, não. Isso não podia estar certo. Não podia ser real. De repente, entendi. Eu deveria saber onde estava. Ver. O ar fresco me manteria vivo por dias, até mesmo semanas, enquanto eu lutava e combatia o inevitável, para poder considerar lucidamente tudo o que estava prestes a perder.
Minha mente congelou enquanto eu tentava me lembrar de onde estava momentos antes. Tinha a sensação de ter viajado quilômetros. Meus braços pareciam ter remado por um oceano. Talvez eu estivesse sonhando, porque sonhos tinham tantas camadas, tantas partidas traiçoeiras e finais de finais que não conseguia firmar pé ou encontrar a mínima saliência na qual meus dedos pudessem se agarrar.
Estiquei os braços, sentindo o espaço ao meu redor. O caixão parecia ter mais de quatro lados. Eu me movi ao redor de costas, usando os saltos das botas para me empurrar em círculo, contando as paredes. Mas não tinha fim, e quando havia contado doze, tive certeza de ter dado mais de uma volta.
Fiquei virando assim, um animal cativo inspecionando os limites de sua jaula.
Três. Quatro. Cinco. Seis. Toquei a bota novamente. Seis lados. Um hexágono. O horror tomou conta de mim novamente. Na verdade, ele tinha um rosto e pernas, uma fera enorme com pele de borracha preta, uma coluna ossuda e estava encarapitado bem ao meu lado, esperando que eu perdesse a esperança para poder se banquetear de mim. Lutei e chutei, batendo a cabeça muitas vezes, gritando por ajuda — alguém, qualquer um —, embora depois de algum tempo, quando não houve resposta, quando aquele barulho agudo tinha retornado, ricocheteando dentro do meu crânio como uma bala preguiçosa sem força para encontrar a saída, só consegui ficar deitado de costas, arfando, em meu caixão de seis lados.
Fechei os olhos, deixando o medo me inundar. Eu precisava me banhar nele, aceitá-lo, bebê-lo, deixar que me cobrisse como lama, para que se tornasse nada tão extraordinário, nada tão apavorante, e então poderia pensar.
Minhas memórias tinham sido hackeadas, manipuladas, eliminadas, porque não havia nada de meu passado imediato — absolutamente nada. Mas se havia uma entrada, havia uma saída.
Abri os olhos, me dando conta de que com minha agitação louca eu devia ter acidentalmente derrubado a mariposa do teto. Ela parecia ter buscado refúgio em um canto, e mais uma vez, agitando as asas, tentava escalar a parede.
Tomando cuidado para não esmagá-la, consegui recolocar a bota, depois girei de costas como um ponteiro de relógio. A cada centímetro que me movia, batia nas paredes com os pés. Avancei, os barulhos de pancadas eram estranhamente abafados, tanto desespero me inundando que eu sentia como se ele salpicasse meus cotovelos e pés.
Quando ouvi o quinto painel estalar, bati uma segunda vez. A madeira cedeu, lascando, caindo. Baixei o olhar para meus pés, o coração acelerado. Um buraco retangular cinza me encarava de volta. Eu me virei imediatamente, olhando pela abertura, minha euforia se transformando depressa em horror.
Não havia para onde ir. Apenas outro painel de madeira a sessenta centímetros de distância. Parecia ser outra caixa. Passei para ela. Havia um pouco mais de luz e mais espaço, embora meu antigo caixão ocupasse a maior parte dele por estar no centro. Também não conseguia me sentar ali, o teto era apenas alguns centímetros mais alto. Eu me arrastei de barriga pelo perímetro e quando passei pelo buraco do qual acabara de sair, sabia que eu tinha razão, pois fui parar em outra caixa hexagonal.
Que diabo era aquilo? Um inferno de caixões construídos um dentro do outro e assim por diante até o infinito? Apoiando as costas no primeiro hexágono, posicionando os pés nas paredes exteriores, bati em cada painel como fizera antes, contornando o perímetro. Fiz isso uma, duas, três vezes. Nenhuma parede cedeu. Inspecionei o primeiro caixão e consegui ver a madeira lisa pela luz fraca, os painéis laterais pintados de preto. A visão de repente despertou uma lembrança guardada bem fundo nos porões inundados pela tempestade da minha cabeça. E então me atingiu, exatamente onde eu vira aquilo antes.
O tempo se tornou um líquido leitoso no qual me permiti flutuar para longe daquela caixa em sua corrente preguiçosa, para a frente e para trás. Então me dei conta de que estava deitado sobre o lado direito, olhando pelo furo que eu fizera no primeiro caixão. Um repentino som de asas chamou minha atenção, me despertando de um transe. A mariposa. Eu me esquecera dela. Fiquei sufocado de alívio com a simples visão, a compreensão de que não estava só. Ela caminhava pelo teto, mas caiu, e então se levantou com calma e seguiu outra vez para uma das paredes. Eu me curvei, colocando-a gentilmente na mão. Mexendo as antenas, ela começou a circular, explorando os limites de sua nova gaiola, que era, claro, a palma da minha mão.
Então eu ia morrer ali. Deixar minha vidinha. Eu mal a gastara. A vida tinha sido um terno que eu só vestira para ocasiões especiais. A maior parte do tempo o guardava no fundo do armário, me esquecendo de que estava ali. Deveríamos morrer quando as costuras não aguentassem mais, quando cotovelos e joelhos estivessem manchados de grama e lama, ombreiras irregulares de pessoas o abraçando o tempo todo, tempestades e sol causticante, o tecido desbotado, botões perdidos.
A compreensão foi tão chocante que podia me sentir despencar de qualquer que fosse a realidade frágil que estivera tocando, e caí para trás, girando pelo espaço frio e escuro: era eu. Aquelas coisas chacoalhando eram meus próprios ossos. Aquilo que eu queria ver por dentro era onde eu estava trancado agora. Eu me ouvi engasgar alto com a ironia daquilo. Podia sentir lágrimas brotando em meus olhos, escorrendo por meu rosto. Era um fim cruel demais para conceber, uma punição que era puro.
A vida estava me mostrando que era melhor deixar alguns mistérios intocados e a verdade da existência era permanecer desconhecida. Tentar abrir cada núcleo de um mistério, deixar que seu conteúdo ficasse visível, era apenas destruir a si mesmo.
Contudo, ainda que significasse a destruição de meu ser, algo em mim preferia me libertar daquele caixão, libertar-me daquela crisálida de madeira onde me soterraram; em mim havia uma necessidade incógnita, mas ainda humana, de quebrar qualquer julgo que anestesiasse ou iludisse as raízes de minha liberdade!
Eu queria voar como aquela mariposa por quaisquer céus e mundos... Eu queria ser aquela mariposa... Eu queria romper os túmulos e caixões de meus casulos e renascer como uma mariposa incandescente em uma silenciosa noite de lua cheia, dançando entre as nuvens e as estrelas.