Confissões de uma Bomba Atômica

Confissões de uma Bomba Atômica

Eu estou aqui, contra a minha vontade.

Estou dentro de uma aeronave militar, voando para o Japão.

Peso uma tonelada, o peso de um elefante praticamente.

Estamos no começo da manhã, mais ou menos 8 horas antes do meio-dia.

Sinto um frio tremendo, pois não estou coberta com uma manta e nem mesmo tomei café quente como a tripulação, que me colocou aqui dentro.

Estamos a 10 mil metros de altura e só vejo o mar.

Às vezes vejo uma ilha, vejo mar e mais mar somente, nesta viagem insólita.

Meu coração está batendo, é um relógio interno cujos pulsos marcam o momento exato que eu vou morrer. Vou morrer como Sansão, eu penso.

Quando dá mais ou menos 1 hora depois do almoço, eu sinto algo estranho. As comportas da aeronave abrem e eu sou jogada para fora.

Caio de uma altura de 10 quilômetros, num frio de 2 graus e ar praticamente zero. Sou um elefante caindo como um pássaro. Não tenho asas, mas um rabo de peixe que coloca minha cabeça em direção ao chão.

Sinto o ar passando por mim, quando passo de 7 quilômetro de altura. Vejo tudo de cabeça para baixo.

O relógio que está dentro de mim, meu coração, começa a ter uma arritmia. Eu estou enfartando.

Minhas veias começam a entupir de energia. Sinto um calor dentro de mim que me aquece de tal maneira, que o frio não me incomoda mais.

Meu estômago começa a enjoar. Tenho 10 quilogramas de urânio em mim. Urânio guardado numa capsula de remédio que começa a vazar com o ácido do meu intestino. Uma úlcera somada a um infarto, isso dentro de mim.

Quando chego a 1 quilômetro do chão ouço os gritos de crianças brincando numa escola. Mas uma dor de cabeça infernal acomete-me.

O urânio saiu do meu estômago. Uma carga de dinamite que estava no meu fígado faz uma reação de tentar me livrar do urânio, que vaza no meu intestino.

Tarde demais.

Eu não me contenho.

Eu formo uma bola de calor dentro do meu corpo que forma um brilho que se torna uma pequena estrela. Alguns olham para mim, uma estrela não divina, e ficam cegos imediatamente.

Nunca uma estrela cegou alguém com seu brilho estelar, mas eu sim.

O ar que não tinha lá em cima, na aeronave, aqui em baixo tem. A estrela empurra o ar, como um Sansão empurrando as colunas do palácio onde estavam os parentes de Dalila.

O ar vira um tsunami. Um vento impetuoso varre tudo pelo caminho. Pessoas são arremessadas como folhas secas de outono. Construções quebram como taça de vinho ao chão.

Eu já deixei de existir. Não sou mais 1 tonelada e nem mais sou um elefante. Tornei-me farelo. Um amontoado de cinza que cai de um cigarro ao tragar.

Eu sou o ponto final. Sou o ponto de exclamação. Sou a vírgula, sou reticências também.

Sou a caneta de um presidente.

Sou filha da ciência e da tecnologia: sou a bomba atômica!

Sem alma, sem essência, sem amor

LUCIANO DI MEDHEYROS
Enviado por LUCIANO DI MEDHEYROS em 25/08/2017
Reeditado em 16/12/2017
Código do texto: T6094884
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