Despertamor
Tinha ela pouca idade, e muitas dúvidas mal respondidas. Queria tudo entender: o ''porquê'', o ''de quê'', o ''pra quê''.
''Por quê do Amor?'', ''De quê da Dor?''
Dizem que a curiosidade matou o gato, mas é com ela que nós, seres tão humanos vivemos e sobrevivemos.
Questionava ela à si, questionava ela à todos. Tantas perguntas sólidas e insólitas. Como um ser que acabara de nascer, como um velho cansado, ainda tentando entender.
Convenhamos, o mundo é curioso, questionável, duvidoso, e a mente... incansável!
''Porque a curiosidade matou o gato e não o rato?''
Naquela tarde, o vento soprava, enquanto que o Sol se despedia, e a menina sentada na calçada nada sentia. A mente, tão impetuosa quanto o vento, não parava nem por um momento. Acordava se perguntando o porquê do sonho e ia dormir se perguntando o porquê do sono.
Mas mais exagerado era o vento, que continuava soprando.
Dizia ela que era preciso entender o mundo, para então, por fim, compreender sua existência.
''Porque estou aqui?'' - dúvida essa gritante, difícil de se calar.
''Pra quê estou aqui?'' - dúvida essa alarmante, difícil de ser respondida.
Para ela, qualquer resposta dada era insatisfatória; os livros eram secos e tortos, a religião: úmida e reta.
Mergulhava então, no mar da interrogação...
Já ia se afogando, quanto de súbito abriu os olhos! Levantou da cama sonambulante. Começava a abrir as portas, passando por um estreito túnel. Algumas portas de madeira - pesadas e ocultas, outras de vidro - leves e transparentes, onde podia se enxergar o azul que ardia em seus olhos.
Chegou enfim ao Jardim, a chuva era forte aquela noite e ao cair a primeira gota em seu rosto, logo despertou. Sentia-se num estado meditativo, tão silencioso quanto a Lua que lá de cima à assistia. Conseguia apenas sentir a chuva cair, o vento soprar e os pés sujos de lama, que subiam pelas suas pernas, a colorindo. Parecia que de alguma forma, cada gota daquela chuva respondia silencioso à tais dúvidas incessantes, que agora se calavam só para ouvir o som da noite chuvosa.
A mente, inquieta, se calou, enquanto que os sentidos da menina, enfim se mostrou. Essa noite ela nada pensava, e tudo sentia.
Sua mãe, a observava da janela da sala, por de trás dos véus da cortina, sem compreender. Enquanto que do lado de fora o vento continuava a soprar e a chuva ainda caía, tão morna quanto o chá da tarde.
Por mais clichê que a chuva possa parecer, ela é remédio, banho para os adormecidos.
Enquanto que eu, como contadora, renderei ao leito que me chama, que me ama. Deixarei aqui a menina, desperta! Dado os dedos e a plena consciência:
- Estou eu, aqui, agora, lama colorindo meus pés, chuva matando sede da minha alma, vento cantante. Canta pra mim.
Já não tenho opiniões formadas e cansei de me limitar em idéias, na qual me parecem grades. Gaiolas trancadas. '' Cada um em sua gaiola''. Resumirei assim:
''Deixarei o sopro do vento
cantar,
contar segredos bonitos.
Deixarei as gotas mornas da chuva
molhar
banhar meu corpo
matar minha sede.
Deixarei a terra úmida
pintar
sujar os meus cabelos.
Até que suas raízes me abracem.
O medo agora, é poesia.''
Tanta sede de respostas, somente para tentar saber daquilo que ninguém/todo mundo sabe. Alías, o que é o saber sem o sentir?
Tá. Cansada de perguntas e respostas.
A curiosidade pode matar tanto o gato quanto o rato, depende da armadilha que o espera, que o atrai.
Quanto a Morte, a morte é consequência. Disperdício de vida é se preocupar com a morte.
Mas dentre tantas dúvidas, já passadas, a uma única que não se dá pra calar, nem a chuva consegue limpar, nem a borracha apagar.
''A vida, é um presente ou um acidente?''
Se não há resposta, só nos resta sentir, o que está aqui. Tanto tempo perdido.
Boa Noite, para os que ainda dormem.