Comprou uma máquina fotográfica digital de 7.1 megapixels, com zoom óptico de 3x e zoom digital de 5x, tela LCD de 2.4". Todo contente, decidiu fotografar tudo ao seu redor: pessoas, partes da casa, animais de estimação, as ruas, os buracos das ruas, os carros, o sol, as nuvens, tudo. Algumas imagens, ele apagava. Outras, salvava no computador e, com programas de edição de imagens, as aperfeiçoava, buscando sempre algo diferente, divertido, inovador.
Começou a pesquisar novos temas em sites especializados em fotografias: fotos de insetos, de paisagem, fotojornalismo. Saía sempre com sua máquina. A qualquer momento, algo poderia acontecer e a máquina poderia flagrar algo inovador, divertido, diferente.
Resolveu criar uma página na internet, na qual poderia expor suas imagens. Para isso, criou um codinome: Thor.
Tirava fotos de acidentes, de batidas automobilísticas, de brigas na rua, de inundações, de protestos, de garotas bonitas, de festas, mas tudo isso logo cansou seu olhar. Queria algo diferente. Queria algo mais intimista. Era a hora de fotografar nus.
Testou consigo mesmo: colocava a máquina sobre um criado-mudo, acionava o timer e fotografava. Olhou as imagens de seu corpo e nada! Não era aquilo. O corpo feminino talvez. Mas quem poderia posar?
Ligou para sua namorada, Vânia.
Deu um trote: disse que estava doente e precisava vê-la com urgência. E ela correu para Asgard.
Entrou no apartamento de Thor e já encontrou o cenário arrumado. No começo, ela disse não. Não mesmo. De forma alguma.
Ele implorou e disse que era em nome da arte. Mas ela teimou e disse não.
Falou de seu amor e de quanto queria ter a imagem daquele corpo eternizada em uma fotografia.
Ela então propôs uma máscara. Não precisaria mostrar o rosto. Apenas o corpo. Um pouco mais tranqüila e com alguma vaidade, ela foi se despindo. Afinal algumas de suas amigas já haviam feito isso com seus namorados e nada de ruim aconteceu.
Em pouco tempo, ela já estava de calcinha e sutiã. Logo, estava nua, completamente à mercê das lentes famintas de seu namorado.
As fotos ficaram boas. Mas faltava um algo mais.
Ele não sabia o que era.
Publicou algumas na internet e logo outros fotógrafos comentaram a beleza da modelo, o ambiente, a luz.
Mas faltava alguma coisa.
Quando soube que sua nudez estava na internet, Vânia reclamou, mas Thor disse que era arte e não pornografia. E se ela não confiava nele, melhor seria que ambos se afastassem. Ela pediu as fotos. E ele disse que não daria a sua arte para ninguém.
Mas, em respeito a ela, apagou as imagens na rede.
Sem Vânia, ele começou a procurar outras mulheres. Nenhuma lhe deu atenção: era só um tarado, diziam. Enlouquecido, passou a contratar prostitutas e a pagar por foto. Fotografava. Fotografava. E cada vez mais ousadamente. Abertas, expostas, ferventes, as prostitutas riam do dinheiro fácil que recebiam daquele rapaz tarado. E as fotos, ele as acumulava na internet. Sua página, muito visitada, muito comentada.
Passou a variar nos temas: travestis, michês, até mesmo prostitutas agastadas pelo tempo foram para diante de suas lentes. A página na rede, cada vez mais visitada. Porém o interesse de suas imagens ia arrefecendo com o tempo.
Precisava de mais imagens: queria continuar o choque.
Um amigo de bar, Jorge, trabalhava no necrotério da cidade e, às vezes, falava dos cadáveres que apareciam lá. Em uma dessas conversas, pediu para visitar a morgue. Jorge negou, mas um cheque para reforçar o orçamento abriu a sua sensibilidade.
Thor começou a fotografar cadáveres.
E sua página voltou a crescer em popularidade. Todos comentavam o nível de realismo e profissionalismo de suas imagens, e suas referências aos filmes mondo e ao giallo. Alguém disse que agora Thor alcançara a genialidade. Isso serviu de estímulo ao fotógrafo diletante.
Vieram as férias e Thor decidiu que viajaria pelo interior do país, em busca de imagens que refletissem a realidade da pátria. Alugou um carro e seguiu sua aventura.
Ao passar por uma vila perdida no mapa, conheceu meninos e meninas que se prostituíam. Não teve temor em dar dinheiro a esses pequenos sofredores: em troca, pediu imagens e, logo, sua página estava cheia de corpos pequenos, ossudos, nus. Não sabia, mas havia ido longe demais: alguém denunciou a sua página pela prática da pedofilia.
Alguém percebeu que o realismo alcançado por Thor era absurdo. Logo o que era realismo podia ser real. E o que era transgressão podia ser, de fato, crime. Um caso patológico. Nada a ver com arte.
Thor agora era um foragido da justiça.
Um dia, encontrou Percival, um matador. Resolveu registrar o seu ofício. Precisava registrar. Era só aquilo que sabia fazer.
Percival recebeu a missão de matar um casal de adúlteros. Um seqüestro e os dois ficaram à mercê do assassino. O adúltero teve a pele arrancada em tiras sob os flashes da máquina digital de Thor. Estuprada e degolada, a mulher encontrou o seu fim, o que foi registrado por Thor. Sem rosto, sob a sombra, Percival cumpriu sua missão.
Mais tarde, na cidade mais próxima, Thor ligou para Vânia e esta lhe deixou a par de tudo o que estava acontecendo. O cerco havia se fechado. Logo a polícia o alcançaria.
Thor juntou seus últimos vinténs e chamou Percival, seu companheiro de viagem naquele momento. Pediu um favor.
A última foto: a cabeça de Thor estourada. Um revólver caído ao seu lado. Uma janela aberta. Um raio de sol exatamente sobre o seu peito. E mais nada.
(O fotógrafo Frantisek Drtikol, autor da imagem acima, não tem nada a ver com o fotógrafo deste conto...)