Banho debalde...

A casa de vovó, que era vizinha de cerca da nossa, em Pitangui, abrigava Dona Inhana, quatro tias e um tio solteiros. Afora a mãe, enviuvada desde 1940, a fiarada toda trabalhou e se aposentou da fábrica de tecidos.

Equidistante da fartura e da penúria, a vida operária, no entanto, assegurava a estabilidade. Luxo também, pra quê? Com a vida morigerada e parcimoniosa, apoiada na rigorosa contabilidade de tia Isabel, as tias até chegaram a ter uns cobres. E, vez por outra, podiam-se permitir um passeio no Pará de Minas, ou numa esporádica ida a Belo Horizonte para consultas no INPS, a hospedagem na pensão de Dona Cenira, e até a compra d´alguma novidade das Lojas Americanas, como por exemplo, uma forma de bolo elétrica, ou um reloginho de pulso.

Maria, a tia Lia, a caçula é que era a mais atirada, já tendo ido em romaria a Aparecida do Norte - sempre na Rural do Zé do Raul - e, além de portadora de guloseimas para a sobrinhada, falava até na compra dum tajer bonito para ornar o barraco que acabaria sendo construído ao fundo do lote para satisfazer o seu sonho de independência, sucedâneo aceitável duma boda que não viera. E não é que lhe faltassem pretendentes, mas a questão da adequação era o retrato da inequação.

E embora fosse a casa dotada de um Corona, ou Lorenzetti, elétrico, para assegurar o banho quente, tia Lia chegou da rua um dia encantada com um balde-chuveiro de zinco, cuja instalação foi apenas o primeiro de um rosário de problemas. Afinal, ela achou num galho de mangueira o local provisório para o teste. Com a ajuda entusiasmada dos sobrinhos, no quentá a água e a transportar para o balde, chegou-se a hora de testá-lo e só os meninos - de cuecas - é que pudemos disputar aquele mijico

d´água que não propiciava contudo mais de um ato do banhar. Molhar o corpo já comprometia o ensaboar, e enxaguar, nem pensar... não ia dar. E no barro que se formava, tanto se escorregava quanto os pés se emporcalhava. Só pras mangas era que a mangueira dava...

Hora de tia Lia pensar num outro projeto: a compra dum tajer (étagère), que já cobiçava desde seus tempos de mocinha e que do desejo passou a ser seu mais dileto objeto. Só a falta de espaço na casa, e no seu próprio barraco foi que fez o plano ir pro saco.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 17/07/2017
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