A CARTA
A CARTA
“Meu querido amor…”
A carta começava exatamente assim.
Vez por outra caía uma gota sobre a escrita. Dorinha não sabia distinguir ao certo. Se lágrima. Se suor. Não se importava. As duas versões eram salgadas.
Leandro chegaria no dia seguinte. Tudo pronto para recebê-lo. Teria uma festa surpresa aguardando pelo fim de uma ausência de dois anos e meio. Estavam noivos e se casariam muito em breve.
O curso de Mestrado em Direito Internacional fora concluído com louvor. E Leandro tivera sua formatura pomposa na Universidade de Sidney na Austrália. Estava ansioso para retomar seu relacionamento com Dorinha. A mulher que escolhera para sua vida. Sua felicidade era dupla. Pela conquista do diploma e pela volta ao Brasil.
Dorinha também estava de malas prontas. Partiria de Nova York, naquela manhã. Terminara seu estágio como assessora de relações internacionais.
Ambos já estavam com trabalhos garantidos numa empresa multinacional em São Paulo. Após o casamento e lua-de-mel, ocupariam seus postos.
A vida estava seguindo seu curso dentro dos planejamentos. Tudo fora meticulosamente cuidado. Nada poderia dar errado. Completos nos objetivos. Completos nos gestos e atitudes. O casal respirava e transpirava amor.
“Meu querido amor, estarei sempre e sempre ao seu lado…”
A carta continuava exatamente assim. Vez por outra a visão se tornava turva. Dorinha apertava os olhos como para lubrificar as pálpebras. Parecia que grãos de areia raspavam e queimavam. E ela continuava a escrever. Nuvens de poeira e fumaça a impediam de ver e respirar. Registrava todo seu sentimento com mãos trêmulas. Respiração ofegante. Não conseguia controlar as emoções tal a urgência em escrever tudo. O tempo parecia se encaixar numa zona atemporal de seu cérebro. Onde as coisas passavam por ela numa velocidade incrível. Incontrolável. Inexplicável. Outra gota em câmera lenta respinga sobre o papel. Desta vez num matiz escarlate.
“Meu querido amor, estarei sempre e sempre ao seu lado mesmo que você não me veja…”
A carta terminava exatamente assim.
Leandro acordou aos sobressaltos. Lera a carta. E sabia que Dorinha estava ali.
Antes mesmo que seu avião pousasse em terras brasileiras ele soube. O noticiário informava sobre o atentado às Torres Gêmeas. E Dorinha datara a carta em 11 de setembro de 2001. Ela estava no Word Trade Center.
O encontro dos dois saiu dos planejamentos que fizeram.
E leandro ainda teve tempo suficiente para responder a carta pessoalmente.
“Meu querido amor, estaremos sempre e sempre lado a lado, mesmo que as pessoas não nos vejam.”
A resposta de Leandro foi exatamente esta.
Mírian Cerqueira Leite