A Chuva fina de Isac
Isac morreu. O velório será na capela de número 08 do cemitério dos judeus. Horário: 09:00h. O rabino estará presente.
Carlos era amigo de Isac e amava Sara, sua mulher. Pela amizade manteve-se afastado sexualmente de Sara. Carlos casou com Esther e não a amava como amava Sara. Sara sempre foi seu amor e ninguém sabia. Bem, isso era o que ele achava, pois os amigos mais próximos desconfiavam.
Certa vez Isaura comentando os olhares de Carlos sobre Sara, disse: “Parece estar delirando!”
Isac morreu ontem. Ataque fulminante no coração. Carlos já sofria há bastante tempo do coração, mas um sofrimento diferente.
Carlos ligou para Moisés:
- Isac morreu.
- Eu sei. Estou muito triste.
- Você vai no velório? O rabino vai tá lá.
- Vou sim.
- A gente se vê lá.
Esther morrera há cinco anos. Carlos não casou de novo. Preferiu a solidão. Não tiveram filhos, porque Esther era estéril. Carlos costumava dizer para si mesmo: “Maldita religião que sempre espera por anjos!”
Os melhores amigos de Isac já estavam na capela de número 08. Carlos chegou e cumprimentou a todos. Chovia uma chuva fina fazendo um pano de fundo bem apropriado, como um tema fúnebre. Jacó tocava sua harpa e Débora sussurrava uma cantiga preferida do morto. Sara estava sentada próxima ao caixão tendo ao lado seu filho Levi e sua filha Rute. Quando Débora acabou a cantiga e só ficando a harpa de Jacó, o rabino começou a falar palavras decoradas da Torá.
Isac seria depositado numa colina com algumas figueiras. A colina já estava habitada por alguns mortos de sua família. Carlos mantinha-se junto à Sara e seus filhos. O rabino disse mais algumas palavras. Quando a chuva aumentou todos foram sensatos em encerrar a cerimônia.
Alguns amigos se despediram e os mais íntimos seguiram com Sara e seus filhos à casa do falecido. Carlos manteve-se afastado na varanda e observava todos. Seus olhos pararam em Sara, vestido negro, olhar triste. Carlos se espantava como ainda a desejava, como ainda a amava.
O rabino despediu-se da viúva. Em seguida cada um aproximava-se de Sara respeitosamente e se despedia, mas sempre deixando uma palavra de consolo.
Após uma semana, Levi e Rute também se despediram da mãe, pois as obrigações dos vivos eram emergenciais. Levi prometera que voltaria no fim de semana e Rute dissera que acertaria um período de férias com sua chefe e ficaria com ela.
Sara estava sozinha. Recebeu a visita de Carlos que trazia-lhe um belo buquê de flores. E sem deixá-la falar alguma coisa, disse:
- Sara, você sabe que esse tempo todo te amei. Um amor silencioso e doloroso. Casei-me com quem não amava. Ah, como doía saber que você amava Isac! Ah, como doía saber que ele desfrutava de seu corpo! Desculpe-me ser tão sincero nesse momento de dor, mas carrego essa dor comigo há quase cinquenta anos! Sara, deixa agora eu cuidar de você. Deixa agora eu te amar. Você não acha que eu mereço seu amor, agora que Isac partiu? Esse tempo todo respeitei meu amigo e jamais fui imoral. Guardei comigo meus desejos. Ah, Sara, você não imagina o que é guardar isso! Sara, casa comigo!
Sara o olhava assustada e podia ver a dor na face e na voz do amigo. Sara disse:
- Ah, Carlos, como sinto sua dor e sei que é sincera! Mas, meu querido amigo, meu coração pertence apenas a um homem, Isac. Agradeço a Deus pela sua amizade, mas não poderia me entregar a nenhum outro homem, nem mesmo a você, meu amigo. Espero que você me entenda…
Carlos envergonhou-se. Pediu desculpas e saiu.
Depois de algumas horas, Carlos voltara à casa de Sara. Tocou a campainha. Sara atendeu e antes mesmo que saudasse novamente o amigo, Carlos sacou sua pistola e deu um tiro no peito de Sara. Sara caiu ensanguentada na entrada e Carlos chorando caiu sobre seu corpo. Carlos gritava seu nome e dizia que a amava. Carlos enfiou a pistola em sua boca e deu mais um tiro. Seu corpo tombou sobre o corpo morto de sua eterna amada. Novamente, o céu se fechou e a mesma chuva fina de Isac caía.