CACOS
Eram copos de cristais Baccarat que serviam naquela bandeja de prata da Boemia.
Transitava os garçons elegantemente trajados por entre os senhores e as damas na festa da dita sociedade refinada daquela cidade.
Os casais dançavam e se tocavam ao som da orquestra.
As moçoilas ficavam a esperar por algum galanteador as a rodear.
Com vestidos de ombros a mostra, babados de renda na saia, cabelos longos enfeitados com flores ou laços, elas ficavam a olhar de lado e a sorrir com os lábios rosados sem mostrar os dentes esbranquiçados.
A mesa grande recheada de guloseimas requintadas ao gosto do paladar sitiante, os convidados aceitavam apreciar.
Comiam moderadamente, demonstrando educação. Ninguém tinha coragem de encher os bolsos nem as bolsas com bolos e bombons.
Aquele senhorio garboso também estava lá a mostrar que podia enfeitiçar todas as damas especiais da redondeza. Ele se mostrava carente, romântico e apaixonado e as seduzia. Elas se deixavam enfeitiçar pelas doçuras do feiticeiro e as artimanhas usadas para alcançar o coração de cada uma.
Tinha um olho roxo, faltava-lhe um dente do lado esquerdo e mancava de uma perna. Suas maldades iam deixando sequelas e mesmo assim insistia em mexer com elas.
As damas que já o conheciam fugiam com receio de serem assediadas novamente. Ele não se aquietava e seguia em frente.
Algumas sofreram as desilusões do desencanto. Mas a vida seguia seu curso e não deixaram de ser felizes na busca do eu e seus encantos.
A casa reluzia ao som da orquestra que não parava e as taças a tilintar.
As janelas abertas deixavam entrar a lua e o vento que corria refrescante naquela noite de Outono.
E os garçons passavam servindo o champanhe dos melhores que existiam nas taças de cristais encomendadas para ocasião e todos brindavam, bebiam, comiam e ainda, dançavam, riam e conversavam.
De repente o vento veio forte levantando as cortinas. Seguiram relâmpagos, trovões, as luzes se apagaram e todos os cristais explodiram.
O susto, a gritaria e o pavor tomaram conta do ambiente. A correria foi grande a procura da saída. E a chuva caia forte.
Dos copos de cristais, restaram cacos.
Cacos, muitos cacos do mais puro cristal.
Que nem com cola boa conserta todo mal.