NADA ACONTECE POR ACASO
(homenagem ao dia dos pais)
- Oi amor como foi seu dia? Perguntou Sandra ao marido quando este chegou do trabalho.
- Cansativo. Hoje finalmente saiu a designação para onde vou ser transferido, respondeu Marcelo à pergunta da esposa.
- Vamos, relaxe. Vá tomar um banho enquanto preparo alguma coisa gostosa para lancharmos.
Marcelo era um jovem militar em inicio de carreira e a pouco recém formado recebia a sua primeira designação como oficial. Filho de família humilde não conhecera o pai que após tomar conhecimento da gravidez da mãe sumiu sem assumir a paternidade. Assim cresceu Marcelo sem conhecer o pai. Ângela depois de muito tempo casou-se com outro homem e deu a Marcelo uma irmã que o apoiava e admirava. Com muita dificuldade conseguiu que os filhos se realizassem profissionalmente.
Após o banho lanchava com a esposa enquanto comentava a sua indicação. Iria servir em um navio. Isso o deixava apreensivo porque seria a sua primeira responsabilidade como oficial. Cansados do dia de trabalho em pouco tempo conciliaram o sono.
No dia seguinte Marcelo apresentou-se onde iria servir por algum tempo. Foi apresentado ao Comandante, aos demais oficiais e a guarnição. Começava assim a vida do Marcelo naquele navio.
A vida transcorria normalmente. Notava-se que o jovem oficial não era bem aceito por alguns militares tendo em vista a forma áspera com que tratava os subordinados, notadamente um velho sargento em fim de carreira, a quem Marcelo nutria indisfarçável e inexplicável antipatia. Compreendia-se em parte a sua conduta porque é normal oficial em inicio de carreira querer mostrar serviço aos superiores e às vezes extrapolam no comportamento para com os demais. Porém a forma como tratava o sargento era destacada e sempre que tinha oportunidade o humilhava e maldizia. Chegou a ponto de certa vez ser chamado a atenção pelos superiores. O sargento, velho veterano, por sua vez procurava entender a conduta do jovem oficial e relevava sem tomar outras atitudes.
Certo dia Marcelo confidenciou a um amigo que a algum tempo não vinha se sentindo bem. Achava que era estrese e que não era nada preocupante e sequer comentara com a esposa para não deixá-la aflita. Porém a cada dia sentia que o problema agravava-se. Aconselhado pelo amigo resolveu procurar o médico do navio. Após a consulta o médico resolveu solicitar alguns exames. Nem bem ficaram prontos os exames Marcelo piorou do quadro sendo necessária a sua internação. Acompanhado pela esposa e pela mãe Marcelo apresentou-se ao hospital para internação. Seriam realizados exames mais detalhados para saber a causa da sua condição de saúde atual.
O médico chegou a conclusão de que Marcelo estava com leucemia e necessitava urgentemente de um transplante de medula óssea. Só assim seria curado. Para isso chamou a mãe e a irmã de Marcelo para exames. Nenhuma compatibilidade sanguínea ficou evidenciada. Nem da mãe dona Ângela nem Patrícia afinal era só meia irmã. Dr. Paulo tentou encontrar um doador compatível e em conversa com Marcelo, dona Ângela e Patrícia, descobriram que a solução seria encontrar o pai biológico desaparecido a tantos anos. Patrícia então começou uma busca desesperada por esse homem. Assistente Social formada conversou com a mãe e soube de toda historia da paternidade de Marcelo até então ocultada dos filhos.
Dona Ângela envolvera-se quando jovem com um marinheiro por quem se apaixonara começando assim um relacionamento amoroso. Desse relacionamento engravidara e ao saber disso o namorado não assumiu a responsabilidade. Acabado o namoro Ângela procurou dedicar a sua vida a criar sozinha o fruto do seu amor frustrado, casando-se porém algum tempo depois e tendo uma outra filha. Restava agora tentar localizar esse homem e tentar salvar seu filho.
De posse dos dados fornecidos pela mãe Patrícia procurou amigos que a pudessem ajudar. Pesquisando nos arquivos da Marinha conseguiram localizar o militar. Ele servia em um navio e assim Patrícia apressou-se a localizá-lo. Uma vez localizado prontamente o colocou a par da situação. Disse-lhe que a vida do seu irmão dependia da boa vontade dele em pelo menos realizar os exames de compatibilidade. O sargento apressou-se a atender a jovem porque queria também conhecer o filho do seu relacionamento amoroso. Realizados os exames ficou constatada a compatibilidade. Foi marcada então a data para os procedimentos médicos.
Tudo aconteceu de maneira satisfatória. Restabelecido Marcelo fez questão de conhecer o homem que o salvara. E qual não foi a sua surpresa naquela tarde quando ao entrar no quarto a figura do pai biológico ele percebeu que era justamente o sargento a quem perseguia tanto no navio. Foram instantes de silêncio. Os olhos de Marcelo transbordaram em lágrimas e só uma palavra saiu de sua boca: perdoe-me. O velho militar nunca houvera passado por tal situação. Era o homem que o menosprezava no navio agora a pedir-lhe perdão por constatar que maltratava o próprio pai, justamente o homem que agora salvara a sua vida.
* Este texto está no livro "Ponto de Vista" a ser lançado brevemente com artigos, contos e crônicas. É proibido a reprodução parcial ou total. Visite o meu site: www.ramos.prosaeverso.net