Página 42
Envolto num casacão escuro do qual se desprendiam flocos de neve, o professor entrou na sala e cumprimentou os alunos. Pendurou o casaco num cabideiro de parede e estendeu as mãos enluvadas para o aquecedor de ferro. Só então, sentou-se, removeu as luvas, e abriu a gaveta de sua escrivaninha, de onde sacou um livro gasto, capa forrada de linho azul esmaecido, cantoneiras e lombadas mais escuras, no que parecia ser couro. Ajeitou os óculos de aros dourados no nariz e, encarando os nove alunos presentes, indagou:
- Todos leram a página 42?
Os alunos demonstravam graus diversos de ansiedade, mas todos responderam afirmativamente.
- Quem quer começar? - Perguntou o professor.
- As damas primeiro - disse uma voz grave no fundo da sala.
O professor aquiesceu.
- Está bem para você, Rosalynd?
A interpelada - única mulher presente - balançou afirmativamente a cabeça. Abriu seu exemplar do livro, forrado com linho amarelado, e pôs-se de pé. Após uma ligeira hesitação, começou sua apresentação.
- Havia este homem que sentou-se num banco de praça e o Livro estava sobre o banco. Ele abriu o Livro e dentro havia uma folha de papel solta. O homem preparava-se para ler o que havia na folha, quando o Heresiarca surgiu e intimou-o a entregá-la...
O professor ergueu a mão e ela parou de falar. Em seguida, olhou para seu próprio livro, aberto na página 42. Sobre a página, até então em branco, havia surgido um nome.
- Cenric?
O aluno, que estava sentado no fundo da sala, ergueu-se. Rosalynd sentou-se, expressão apreensiva.
- O Livro estava no centro do parque e só podia ser visualizado após o meio-dia, durante um curto intervalo de tempo. O homem que o descobriu não sabia de sua existência, mas já havia descoberto outros livros vulgares no mesmo parque.
O professor ergueu novamente a mão. Havia outro nome na página em branco, sob o primeiro.
- Inko?
Inko ergueu-se e Cenric sentou-se.
- O homem do parque provavelmente contava com a possibilidade de encontrar livros esquecidos nos bancos, talvez até mesmo ali deixados intencionalmente. Esta predisposição contribuiu para que o Livro surgisse como manifestação física.
- É suficiente - disse o professor, para alívio dos seis alunos que não haviam sido chamados. E, depois de fechar seu exemplar do livro e guardá-lo na gaveta:
- Alguém arrisca alguma conclusão?
Rosalynd ergueu a mão. O mestre fez um gesto para que prosseguisse.
- Professor, o Livro citado na página 42 não é o objeto primário.
- E como chegou a este resultado?
- Porque o objeto primário não teria uma folha solta dentro dele.
O professor sorriu.
- Aprendam com Rosalynd, rapazes - disse ele.
[13-03-2017]