A câmera
Kate havia passado boa parte das férias de verão circulando pela cidadezinha com sua câmera Lomo pendurada no pescoço. Indagada sobre seus temas, respondia que tirava fotos de tudo e de qualquer coisa, geralmente sem sequer olhar pelo visor. E antes que as férias terminassem, eu e ela levamos os rolos de filme para revelação no único laboratório da localidade, com a recomendação de que colocassem as fotos por ordem cronológica num álbum.
- Mas não vão querer antes fazer uma seleção do que vai para o álbum? - Indagou Piotr Yaroslavovich, o dono da loja de material fotográfico.
- Tudo o que não estiver obviamente queimado - respondeu Kate, sorrindo.
E assim foi feito. O álbum, encadernado com uma capa marrom imitando couro de crocodilo, foi entregue na véspera do retorno de Kate à São Petersburgo, e ela o abriu sobre a mesa da cozinha, após o jantar. Vera e eu a rodeamos para ver melhor as estranhas imagens criadas pela lomografia.
- Acho que é... o posto policial?
Cores saturadas, estranhos efeitos de luz.
- Certamente... mas o que é isso sobre a calçada?
Dois discos, cerca de 25 cm de diâmetro, aparentemente de cobre: um no chão e outro flutuando cerca de meio metro acima do primeiro. Nada entre eles.
- É um "vazio" - comentou Kate.
Encostado ao coreto da pracinha, uma espécie de diapasão de metal escuro, medindo talvez um metro de comprimento. As extremidades superiores pareciam incandescentes, embora obviamente não houvesse sinal de fogo na estrutura de madeira do coreto.
- E isso?
- Um afinador recursivo. Muito raro. Eu mesma nunca havia visto um - disse Kate.
- E o que faz?
- Se formos dar crédito a quem diz ter usado, reverte os efeitos dos campos de microgravidade concentrada.
- Deve valer uma fortuna - avaliou Vera.
E, finalmente, caídos junto à lixeira da sorveteria, cerca de uma dúzia de braceletes metálicos, reluzindo em tons de ouro, bronze e púrpura.
- Bem que eu queria um desses - disse Vera.
- Braceletes de boa saúde - informou Kate. - Esses valem uma fortuna, mesmo no mercado formal.
Houve um momento de silêncio, depois que terminamos de virar as páginas do álbum em busca de novidades. Vera pegou a garrafa térmica e serviu chá, expressão pensativa.
- Sabemos onde estão, mas só podemos vê-los pela lomografia - disse ela.
- É um início - opinou Kate. - Veja, eu soube que estão trabalhando num acessório para câmeras Lomo que nos permitirá deslocar os objetos para a nossa realidade. Algo como uma teleobjetiva. Será preciso fotografar e voltar depois para recolher o material.
- Talvez possam desenvolver também um tipo de Polaroid... assim não precisaríamos ter que aguardar a revelação - ponderou Vera.
- Vou levar suas sugestões ao general - prometeu Kate com ar solene. - Mas, se funcionar, é provável que mandem militares fazerem os testes.
- Mas você é a melhor, Kate - protestou Vera.
- Só em lomografia - disse ela, sem qualquer modéstia.
[Segunda parte: "Dials"]
[02-03-2017]