O MARATONISTA CLÁSSICO

José Aldo, tinha trinta anos e começou a sair da depressão que sofria no ano de 1993, quando escutou da tevê ligada a frase do programa matutino: “Vida é movimento”. Na hora José Aldo imaginou: se vida é movimento, vencer aquela tristeza equivaleria a completar uma grande corrida, uma maratona. Vencer a tristeza seria correr. Correr a “maratona José Aldo”. Assim José Aldo batizou o evento; a corrida liquidaria sua angústia. Uma maratona, pronto. O desânimo acabaria, a depressão ficaria no ontem. José Aldo pensou, desistiu, mas depois a ideia retornou com uma questão: como medir os quarenta e dois quilômetros de uma prova na cidade de São Paulo?

José Aldo analisou. Lembrou-se da corrida de São Silvestre, no dia 31 de dezembro. A prova era perfeita. Tinha quinze quilômetros. Poderia ser fácil medir por ali o comprimento da maratona: duas voltas completas e uma terceira parcial até o início da subida da avenida Brigadeiro Luís Antônio.

José Aldo decidiu correr a sua maratona. Começou o preparo. Realmente começou e era um sábado. Correu. Exercitou-se durante algumas semanas e a depressão diminuiu com o esforço diário de Aldo em correr pelas ruas do seu bairro, pela avenida São João, parque do Ibirapuera. Treinou até chegar a corrida paulistana, que chamam de São Silvestre porque São Silvestre era um Papa Católico e na sua época os cristãos deixaram de ser perseguidos.

Hoje todos perseguem os cristãos corredores e José Aldo estava lá, na verdade, no encalço da sua maratona particular que deveria marcar o fim dos seus meses de aflição, das noites insones, do estômago pulsar uma dor que dificultava a respiração. José Aldo nunca entendeu a vontade simultânea de chorar e vomitar.

Deram a largada, José Aldo saiu com a multidão. Pensou na tevê filmando as cabeças. Havia velhos no meio, outros atletas com bonés americanos, mas os velhos usavam bonés de todos os tipos. Aquilo era também um carnaval e todos queriam terminar aquela prova para vencer o ano de 1993 ou 1994. José Aldo queria vencer a angústia. Correu os quinze quilômetros da sua primeira volta (a própria São Silvestre), depois repetiu o caminho. Levou tanto tempo e não encontrou gente na torcida. Correu o terceiro trecho parcial e finalmente, após sete horas, concluiu os quarenta e dois quilômetros. Perfeito. Vencera a maratona da virada e de imediato José Aldo dispensara sua angústia. Tão intensa a angústia, havia sido um transe nos anos de 1993, 1992...toda a sua vida.

José Aldo, na superação da linha final, olhou do lado esquerdo, no início da avenida Brigadeiro Luís Antônio, viu o prédio do Serviço Funerário Municipal. O prédio sinaliza mortes e renascimentos. Por que não renascimentos? Não havia o maratonista, chamado "locomotiva humana"? Aquele outro etíope campeão olímpico correndo descalço? Não eram campeões? Não faziam o público chorar pelo impacto do fim de suas dores quase ocultas?

Tudo girou até José Aldo lembrar-se quando sua mãe dizia esperar um filho sempre pequeno, sempre criança. Ele respondia: “Mãe...Eu não sou Peter Pan”

José Aldo terminou a maratona e desta vez o Peter Pan era o vencedor da maratona rumo à “Terra do Nunca”. José Aldo riu. Aquela depressão nunca existiu? A vontade de querer se matar desapareceu também. Riu mais ainda, subiu caminhando a avenida Brigadeiro. Tanta tristeza pregada quando na vida há tantas façanhas. Grandes maratonas percorridas sem testemunhas! Isto! A vida é uma prova sem regras. Tudo bem. Ele continuava ali. Pronto para outra e ao mesmo tempo no meio da rua. José Aldo quis chorar ao chegar na esquina avenida Paulista. Talvez fosse felicidade. Sentiu-se depois um maratonista clássico, um corredor exemplar... um cavaleiro vivo após uma cruzada pacífica.

José Aldo morreu de câncer dia 19, aos cinquenta anos, mas estava bem. Foi um câncer fulminante. José Aldo encarou o fato com tranquilidade ( quase como um idoso de noventa anos) e isto porque todos os anos após a primeira vitória, tornaram-se uma maratona. Em todas, ele chegara devolvido ao mundo como um corredor.

Vida realmente era movimento.

José Aldo não se casou, não teve filhos. Deixou uma mãe e dois irmãos.

DO LIVRO: "TOUROS EM COPACABANA"

Paulo Fontenelle de Araujo
Enviado por Paulo Fontenelle de Araujo em 23/01/2017
Reeditado em 31/10/2017
Código do texto: T5890110
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