O tubarão
O professor Foster levou-me até seu laboratório no Museu de História Natural, e mostrou-me o que, para meu olhos de leigo, pareciam ser apenas grandes placas de pedra de formato irregular sobre uma bancada.
- Estas vieram do Lago Erie. O público acha que descobertas paleontológicas são feitas apenas durante o trabalho de campo, mas isso nem sempre é verdade. Muitas vezes, como nesse caso, os fósseis são desenterrados, trazidos para o museu, e ficam décadas numa caixa, esperando que alguém tenha tempo para avaliá-los. E, em determinadas situações, é preciso ter a tecnologia certa para descobrir algo que ninguém havia percebido antes...
- Nesse caso, tomografia computadorizada?
- Sim. Quando esses fósseis chegaram aqui, na década de 1960, a microtomografia ainda não era uma técnica disponível aos paleontólogos.
Tocou numa grande placa, de cerca de dois metros de comprimento, onde era discernível o que parecia ser uma cabeça coberta de placas ósseas, e a parte central do corpo de um peixe enorme.
- Isto é parte do fóssil de um grande predador do período Devoniano, o Dunkleosteus. Esse exemplar nem é dos maiores, devia medir aproximadamente uns quatro metros... os maiores podiam chegar a seis metros.
Mesmo incrustada numa placa de pedra, a cabeça couraçada com dentes enormes era assustadora.
- Parece o Alien do filme...
- No Devoniano, encontrar com um desses provavelmente seria uma sentença de morte... e foi exatamente o que aconteceu com a última refeição deste Dunkleosteus. Veja aqui...
Moveu a mão para a extremidade direita do fóssil, onde era possível distinguir na rocha as impressões de músculos e órgãos internos - e o estômago da criatura. Dentro dela, havia um outro peixe menor, que lembrava...
- É um tubarão?
- Um tubarão primitivo, um Cladoselache. Este aqui é um adulto, medindo cerca de um metro de comprimento. Normalmente, eram animais rápidos e ele teria conseguido fugir do predador, que era mais pesado e menos ágil. Mas não foi o caso... talvez estivesse ferido.
Bateu com o dedo sobre o vulto escuro do pequeno tubarão.
- Escavamos muitos fósseis de Cladoselache nessa região, e os restos são tão bem preservados que conseguimos descobrir até mesmo o que haviam comido antes de morrer. Neste caso específico, a minha curiosidade era saber se o tubarão havia engolido algo que o tivesse incapacitado de fugir do predador... mera curiosidade acadêmica.
- Não era uma suspeita, então.
- De modo algum - asseverou ele.
Puxou um envelope pardo tamanho A4 de sob a bancada, e dele retirou uma grande fotografia em preto e branco.
- Esse é o resultado da microtomografia feita no esôfago do Cladoselache. Veja por si mesmo.
Peguei a foto. O objeto no esôfago do guloso do Cladoselache estava bem visível.
- Eu sabia que tubarões comiam de tudo, mas... isso?
Era uma escova de dentes. Uma escova de dentes de 370 milhões de anos de idade!
[15-01-2017]