O impressionado pedreiro Bastião
A princípio estava tudo às mil maravilhas, mas foi exatamente quando Bastião soube das mortes de dois dos ex-namorados da sua namorada, que começou a imaginar coisas. Era um rapaz trabalhador que enfrentava os andaimes ao sol sem nenhum medo de cair. Sabia erguer muros e paredes, rebocar, pintar e encanar; quando fazia instalações elétricas não temia os choques, mas podia se impressionar com coisas fatalistas. Fora criado no meio de superstições e feitiços... suas tias eram crentes em coisas de horóscopo e simpatias, levavam a sério números, cores, dias de santos, poder de planta e de sal, cantiga agourenta de ave noturna, olhos grandes, sortilégios, amuletos e afins.
Bastião, por questão de trabalho estava morando em Russas há quase dois meses, fora contratado como pedreiro e pintor de parede. Todo final de ano era de praxe o pároco mandar pintar às igrejas da cidade, a de São Sebastião era de um verde bem escuro. Foi exatamente nesta que ele primeiro trabalhou. Gostava de suar exercendo sua atividade e com mais prazer muitas vezes gastava mais da metade do que ganhava em suas bebedeiras. O reparo do templo demorou mais de um mês e ele já conhecia algumas das pessoas do lugar. Foi também ali, num final de tarde que conheceu a moça morena, de nome Maria das Dores a quem agora namorava. Estava tudo bem com ele e ela como é comum no começo dos namoros, mas no dia em que Maria lhe falou do seu passado e dos dois namorados que partiram para eternidade por serem pilotos de moto, o corajoso pedreiro Bastião sofreu um baque. Logo de cara, não quis demonstrar contrariedades, pois estava gostando cada vez mais da moreninha. Mas é certo que não lhe agradou a novidade, aquilo podia nem ser mas soava como um mau presságio. Seu conhecimento lhe dizia que tem coisas que costumam acontecer três vezes, até na Bíblia havia casos assim. Dois já haviam passado pelo inevitável e ele poderia ser o da vez. Era uma temeridade continuar, devia parar com aquilo. Mas devia fazer com jeito, devia pensar e depois procurar uma justificativa para se sair daquela criatura fatal. Seu pensamento já não era o mesmo de antes, por mais que tentasse não admitir que estava impressionado, estava, por mais que procurasse se acalmar, aos poucos se agitava por dentro. Só ele e Deus sabiam o que passava a imaginar agora. Jamais pensou em se acidentar trabalhando, era ágil, nem tão pouco pensava em se dar mal numa bebedeira, confiava no seu taco. Mas quando se tratava de mulheres com sina de viuvez, a desconfiança lhe gelava o sangue. Ia aos poucos pular fora, não era nem doido de permanecer ali, já se achava macaco velho, aliás nunca fora bobo. Não era nem por ele mesmo somente não, é que já ouvira muitos casos verídicos de mulheres com aquela estrela negra. Sabia do caso da rezadeira de Limoeiro que havia enterrado três, em Jaguaruana havia outra que em menos de quatro anos havia despachado dois e agora permanecia só, além de muitos outros acontecidos que eram comentados pelos papudinhos nos balcões.
Os amantes do copo podiam ter seus defeitos, mas o bom é que não guardavam segredo de casos escabrosos que tomavam conhecimento. Os inveterados consumidores de aguardente contavam descaradamente histórias de chifrudos e sem-vergonhices acontecidas no meio das famílias e não poupavam o espinhaço de ninguém, fossem pobres, remediados ou estribados. Todos eram alvos dos de língua ferina sob efeito etílico. Tanto se divertiam com o hilário, como o dramático das vidas alheias. O que um bom bebedor quer é se divertir, para ele vale tudo e não tem piedade nem de si mesmo. Mas não podia ser tão injusto, os bebedores possuíam alguma virtude sim, eram algumas vezes também profetas de tiro certo. Quando ditavam e repetiam uma profecia, era fatal.
Bastião estava certo de que em cem previsões, os seus colegas de farra podiam errar uma, e esta uma, era a salvação dele. Decidiu acabar o namoro com a morena que já fora batizada com o nome aziago de Das Dores. A pintura da igreja já estava no fim, e assim como veio para aquela cidade há quase dois meses, podia muito bem ir-se em busca de trabalho numa outra, nada o impedia. Se despediria da namorada e caso ela começasse a lhe telefonar, arranjaria alguma desculpa de trabalho. Era isso, usaria esse argumento para se sair e depois de pensar assim ficou mais calmo. Como era sexta-feira e a tarde ia esfriando, Bastião ia se acalentando em seus bons devaneios. Por ter encontrado em pensamento a solução para o caso, resolveu que logo mais iria tomar umas e outras para comemorar, era de direito. Quando o ponteiro do relógio se aproximava das cinco, desceu da escada e começou a limpar e guardar os pincéis.
Resolveu ir ao Bar do Pote na beira do Araibú, lá havia um bom caldo de peixe e às vezes caranguejo para tira-gosto. Pediu aguardente e começou sua libação. Bebeu algumas e nisso, lhe vinha na ideia a morena Das Dores, nêga bonita, quente, de cabelo liso e de jeito trigueiro. Essa primeira imagem da namorada junto com as primeiras doses era sim bem exótica e agradável, mas depois ele passou a imaginar como teria sido ela ir aos velórios dos dois ex-namorados. Coisa horripilante. Tomou outras chamadas, pediu caranguejo, foi chegando a noite e esta veio enegrecer lentamente as ideias do pedreiro. Sem muito notar entre o seu delírio e o poder da cana, começou a se ver ele mesmo na sala da funerária, andando entre os presentes. Viu também a morena, sua namorada, conversando alegremente com outras mulheres de preto ao lado de um caixão de velório. Bastião ao se aproximar do caixão, ficou sem entender, pois não viu o corpo do morto. Observou que as pessoas conversam alegremente e ele achou aquilo muito estranho. Pensou que estava delirando. Nem se preocupou em falar com a Das Dores, pois ela parecia tão entretida em conversa com as outras, que ele resolveu sair da sala de velório... porém como um eco distante, ouviu uma voz suave a dizer: “já é tarde... só estou esperando por você! ” E a voz foi se tornando cada vez mais forte e próxima dizendo: estou esperando por você para fechar! .... Nisso ele tem um sobressalto e imagina que algum ser diabólico daquele velório está batendo em suas costas, agourando e esperando que ele morra para colocá-lo no caixão e levá-lo a derradeira morada. Impressionado por tal visão e da macabra interpretação, ele gritou:
- Não sou eu não! Não sou mais o namorado dessa perigosa que já matou dois, pode procurar outro para levar, já acabei o namoro com a viúva negra....
Nisso o dono do Bar do Pote se desculpou por ter lhe batido nas costas e disse para ele se acalmar... ele só o chamou para tentar acordá-lo, é que já ia fechar o bar e que ele havia dormido mais de duas horas ali com a cabeça sobre a mesa.