COISA DE MACHO
Faz tempo que não conto história de Eliezer.
Ele morreu e achei que não valia mais a pena lembrar.
Mas a mente é algo curioso;
a imaginação escapa de todas as prisões.
Pois bem!
Eliezer, eu e vários amigos, quando solteiros, tínhamos o hábito de jogar baralho;
Truco, béstia, pocker, essas coisas.
O jogo era o mote, mas o que advinha dessa reunião era o que fazia valer a pena ser homem.
Podíamos nos reunir longe das mulheres e celebrar o testosterona; viver como macho!
Melhor exemplificar:
Rolava uísque, cachaça, cigarros, formar nuvens fétidas de fumaça, charutos, suor, peidos, falar palavrões, xingar, falar alto, gritar com quem está próximo, coçar o saco, mijar na tampa do vaso sanitário, comer gorduras, saco de boi assado na brasa, amendoins, falar de mulheres vadias, etc; e esquecer da vida civilizada e cheia de regras da educação.
Com o passar do tempo, tudo isso misturado, criava um clima exclusivo masculino, um fedor de macho, um ambiente de macho; que, mulheres - nem tentem compreender, - nos agradava a todos e remetia-nos aos primórdios dos bons tempos da caverna - o homem natural.
Com o passar do tempo, fomos nos afastando, morte e casamento (o que é quase a mesma coisa), foi corroendo o grupo.
Até que só restou Eliezer.
Uma noite, saudoso dos velhos tempo, ele ligou lá para casa.
Minha mulher atendeu e ouvi:
___ Não, não!! Ele não pode ir de modo algum. Está lavando a louça e depois vai me ajudar passar a ferro as fraldas das crianças.
Imaginei Eliezer tendo uma síncope.
Mais tarde ele contou-me que telefonou para todos os velhos amigos.
E todos deram uma desculpa para não ir:
"Tenho que levar a patroa na novena da igreja"; "tenho que ajudá-la na faxina"; "estou cuidando das crianças enquanto Cecilia foi jogar pif-paf com as amigas"; e desculpas outras menos importantes.
Abandonado, teve infeliz ideia.
Ligou para um puteiro.
____ Alô, Sofia? Aqui é o Eliezer. Quero três garotões que saibam beber, arrotar, peidar, fumar e jogar baralho.
Do outro lado indignação:
____ Eliezer!! Que suruba é essa que inventou? Depois de velho perdeu o juízo e virou a mão?? Que diabos você vai fazer com três garotões de programa? Nem quero saber... não mando de jeito nenhum!!
____ Se você não me arrumar os garotos vou procurar outra proxeneta!
____ Olhe Eliezer... acredite. Você não aguentaria os três. Estou salvando a sua vida. Vou mandar três mulheres, assim fica melhor.
____ Tudo bem. Mas tem que saber beber, fumar, arrotar, falar palavrões e jogar baralho. Quero criar um certo clima...
As moças chegaram e ele não gostou muito.
Não tinham barba; estavam maquiadas.
Não fediam; pelo contrário cheiravam bem.
Falavam baixo e eram educadas; defeito insanável para a ocasião.
____ Ai velhote!! O que vai rolar? - disse uma já tirando o saiote.
Devidamente explicado, formaram uma mesa de truco.
Jogaram até de madrugada; mas não foi a mesma coisa.
Serviu apenas para matar a vontade.
Eliezer cansou e teve sono.
Colocou o dinheiro na mesa, pagamento das moças;
bocejou e disse:
____ Agora vou dormir.
"Mulher é bicho esquisito..." - já cantava Rita Lee.
A mais velha estrilou:
____ Alto lá! Qual é nosso defeito? Estamos muito passada para o seu gosto?
As outras duas compraram a briga.
____ Calma meninas... meu interesse era só o jogo.
As mulheres dividiram o dinheiro; que guardaram nos seios.
Eliezer levantou-se para levá-las até a porta.
Mas a mais velha não tinha engolido a desculpa.
De surpresa, deu-lhe um tapa no pé do ouvido:
___ Velho safado! FDP! Pensa que vai se livrar assim fácil de nós. Pensa que não temos sentimentos! Estamos ofendidas...
E foi assim que Eliezer tomou uma surra exemplar.
Com direito a gritos, quebra quebra, que acordou e assustou toda a vizinhança.
No outro dia, macambuzio, reclamava:
____ Meu ouvido está dando sinal de ocupado até agora!
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Para quem se interessar, tenho várias histórias do Eliezer, parente distante, agregado da família (como se dizia antigamente) e de ideias próprias.
São elas:
"Futebol", publicado em 10/03/07;
"Alienígenas", 23/03/07;
"Pela cachaça...", 25/03/07;
"Eliezer, eu e uma espingarda", 25/04/07;
"Um punhado de cal", 27/04/07;
"O ano em que matamos McCartney", 03/05/07;
"In extremis", 19/08/07;
"Evangélicos", 22/08/07;
"Dois Noéis", 20/12/07;
"O Inglês estupefato"; 05/03/08;
"O telhado branco", 17/04/08;
"Vaidade, vaidade, tudo é vaidade", 03/04/09;
"Casamentos", 04/05/12;
"Jaculatória", 30/05/12;
e:
"O jovem audaz no trapézio voador" (título do primeiro livro
que ganhei de Eliezer), publicado no recanto em06/06/12.
Etc.
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Obrigado pela leitura.
outubro/2016