Olhos de Cristal

Estava sentado no mesmo lugar que sempre sentei desde os meus 25 anos de idade. Em uma mão segurava a cerveja, e na outra um jornal.

Não havia muito movimento na rua, os carros passavam, e de vez em quando buzinavam, as vezes para chingar um filho da mãe que fazia uma curva errado, ou andava na contra-mão.

Lia na folha do jornal a seguinte notícia: "Cinco crianças raptadas por padre local." Nada de interessante, o povo dessa cidade era esquisito, e tinha motivos, desde o vazamento de uma usina nuclear ali perto. O governo nunca se importou muito mesmo...

-Aceita mais alguma coisa, James? - disse a bela atendente.

-Por hoje já chega, Honda... Não quero me atrasar para ver o jogo.

-Ah sim, o grande jogo não? Então... em quem vai apostar hoje? - disse ela, alargando um lindo sorriso.

-Os Dildos com certeza vão vencer... depois do último jogo de 99... é certeza que eles irão humilhar os Aligators.

-Você sabe bastante coisa, não James?

-Caras como eu não se impressionam com essas coisas... e aliás, lembre-me de te convidar para sair qualquer dia, quem sabe... para um jantar? - disse eu, tirando uma nota de 50 da minha carteira, e ligeiramente, colocando em sua mão.

-Não tenha tanta certeza... porque mulheres como eu... não se impressionam com cantadas desse tipo... - disse ela, em um sorriso vingador.

-É por isso que eu te amo, Honda...

Levantei-me, Honda era uma amiga em especial, talvez a única que eu tinha naquela cidade cheia de loucos, dirigi-me para a porta, e em um único movimento, já estava no lado de fora.

O sol sumia por entre as casinhas distantes, era umas seis horas, e meu celular tocava para me alertar que recebi uma mensagem nova: "Fodam-se os Aligators!" Era Reynald, um colega, não posso chamá-lo de amigo, porque é um drogado e pervertido, preso duas vezes por tráfido de drogas e uma por estupro. Fugiu da prisão, e agora fica a dois quarteirões de minha atual casa.

Acendi um cigarro, e fui andando em direção ao meu carro, abri a porta, e sentei-me no banco de couro. Vrumm! Como era doce o rugir desse motor, um Corvette C6. ''Droga!'' pensei, ''A bosta da gasolina está quase acabando...'' Por sorte estava perto de um posto, o qual me dirigi logo em seguida.

O atendente veio até mim com um sorriso no rosto, o qual iria se apagar naquele momento, e não era meu cigarro...

-Senhor, posso enxer o tanque?

-A vontade

-Não posso permitir que fume aqui neste local, senhor, pode causar grandes....

-... danos a seu corpo, se não calar a boca.

-Mas, as regras...

-Fodam-se as regras, o seu trabalho é enxer o tanque, não me torrar a paciência com esses discursos hipócritas.

O atendente me olhou por um momento, mas não discutiu, apenas começou a enxer o tanque, atento aos meus atos.

Olhei para o horizonte negro, poluído pela fumaça dos carros que agora se acumulavam nas minúsculas ruas daquela cidadezinha podre e corrompida pelo caos, e então algo me chamou a atenção, na mesma lanchonete que eu comia a 6 anos, saía Honda, a atendente, que como se fosse uma deusa, chamava a atenção de todos os homens de lá, que paravam de buzinar e se chingar na mesma hora.

Sim, o momento se marcou, de um do carros, pude ver um homem, de uns 1,80 metros, sair do carro, e inesperadamente, pegar seu revolver, e... três tiros, um na barriga, outro no peito, outro na cabeça, o suficiente para espirrar litros de sangue na parede, como se fosse um jato.

O caos era total, pessoas gritando, crianças chorando, mas nenhuma sirene, nenhuma se quer, nem ao menos uma visão de alguém pegando o celular para ligar para uma ambulância, ou polícia. Mas para que ambulância? Ela já estava morta.

Corri o mais que pude, pela primeira vez na vida, senti o mais mortal e violento ódio fluir em minhas veias, sedentos pela cabeça daquele homem que a matou, sem razão alguma, e então, invadido pela tristeza e angústia, me ajoelhei ao lado dela, seus cabelos ainda intactos, refletindo a quase extinta luz do sol.

Seus olhos brilhavam, sem vida, sua bolsa estava a um metro dela, e nada mais me importava. Eu me via naqueles olhos oscilantes, como se fossem dois olhos de cristal, e eu me vi, sozinho naquele dia, pela falta de uma amizade que realmente me importava. Sim... eu iria matar aquele cara, e iria fazer ele sofrer tanto ao ponto de quando chegar ao inferno, ele parecer o paraíso pelo que eu irei fazer com ele nessa terra...

Fechei seus olhos, e me dirigi ao meu carro, as pessoas aterrorizadas me olhavam com medo e horror, o atendente estava paralizado, me olhava como se fosse eu o assassino, oque realmente eu seria mais tarde... Entrei no carro, e não dei a grana para ele, apenas cantei os pneus e corri, sem ter idéia para onde ir, apenas tinha a imagem daquele filho de uma puta na minha cabeça.

Para mim, naquela noite não havia semáforos, não havia pessoas, não havia carros, havia apenas, vingança. Meu coração estava acelerado e meu rosto suava. ''O que ela fez?'' não faço a mínima idéia... ''Talvez ela merecesse...'' NÃO! Eu a conhecia o suficiente para saber que ela não havia feito nada de errado, quantas vezes dormi com ela... e quantas vezes passei a noite inteira conversando sobre papos distantes, que nem eu mesmo sabia que era possível de existirem.

Mais uma vez, algo me chamou a atenção. De um lado da rua, parado em frente ao Marv's - Chopperia & Pizzaria, havia o mesmo carro que eu vi o cara sair para matar Honda, laranja e com um farol quebrado. Como um cara seria tão estúpido ao ponto de sair com um carro daqueles para matar uma pessoa e não ser descoberto? Não importa.

Parei o carro, me dirigi a porta da Pizzaria, e observei, vários rostos felizes conversavam, alegres, sem estar cientes de nada.

Avistei ele, estava parado, sem conversar, com um homem de óculos, de aparência muito medrosa e inquieta.

Me dirigi até ele, com os olhos fixos na mesa, peguei a garrafa de cerveja, e quebrei naquele rosto. ''BAQUE!''. E o mesmo pavor e caos que infestaram aquela rua que ele matou Honda infestaram a Pizzaria.

O soquei, com tanta violência, sem sentir remorso, seu sangue espirrava em minhas mãos, e sentia o osso de seu nariz se quebrar aos poucos, mas mesmo assim, o maldito ainda arranjava fôlego para gritar para seu parceiro ''ATIRE NELE!''

Não prestei atenção, levei um tiro, por sorte no braço, mas foi o suficiente para me causar uma dor horrível, o homem se levantou, sangrando e pegou uma cadeira e a quebrou com tamanha brutalidade em meu rosto. Tudo ficou escuro. Não senti mais nada.

Acordei, estava apenas de cueca deitado e preso em uma mesa. Que tipo de loucura aqueles idiotas iriam fazer comigo?

O lugar era muito sujo, e muito grande, parecia uma oficina, e não havia nada lá, apenas uma luz que cegava meus olhos, e em volta tudo estava escuro e quieto.

Uma voz rouca cortou o silêncio, era aquele vagabundo... parado diante de mim, e com um sorriso no rosto.

-Não esperava se safar daquilo, não é? James.

-Não espera que vai se safar dessa, não é? Maluco, afinal, esse seu nariz vermelho-sangue me faz se lembrar de uns momentos que eu passava na academia estourando uns idiotas.

Seu sorriso sumiu. Consegui provocá-lo.

-Talvez você sinta prazer... NISSO!

Me feriu gravemente na barriga, com um chicote que várias lâminas se prendiam a ponta. Não aguentei, tive que gritar.

-A sua amiga não gritou ao morrer... James.

-COMO VOCÊ SABE MEU NOME?! E NÃO FALE NELA! MALUCO FILHO DA...

-Assim como sei sobre a sua vida, e também como eu sei sobre a dela... - disse ele novamente com um sorriso perverso.

-Porque você fez aquilo? - disse eu, com a paciência se esgotando.

-Pelo mesmo jeito que você, há 6 anos atrás matou meu filho.

Ah sim, ele tocou em um assunto importante. Algo que eu não lembrava mais, mas mesmo assim me atormentava de vez enquando.

Há 6 anos atrás, estava eu, em mais uma de minhas missões, concedidas pela CIA, para descobrir oque os russos estavam tramando. Eram documentos demais, na mesa, nas gavetas, nos armários. Estava infiltrado como espião, para pegar aquela maldita gravação, que ''poderia salvar o mundo'' como o presidente dizia, nos finais de semana.

Foi mais fácil doque eu pensava, consegui a fita, um dos guardas estava dormindo e o outro derramou uma grande quantia de café em sua calça, oque fez ele correr rapidamente para o banheiro.

Peguei a fita, mas não percebi um olhar, um olhar morbido que me deixou paralisado. Olhei para trás, e vi Malkon, um jovem, de uns 20 anos de idade. Com a arma apontada para mim, não era seu olhar que me paralisou, e sim a .45 apontada para minha cabeça.

-Deixe ela onde está, ''Brendam''...

-Não é um motivo para me matar...

-Não é um, são vários. - disse ele, triunfante. - se eu te desmascarar, na frente de todos as autoridades, irei ser nomeado talvez, um herói, por ter livrado aquele seu país imundo de tocar nesta fita.

-Você não sabe nem oque está nessa fita, Malkon... Talvez seja o SEU país que esteja dessa vez... vamos dizer, com as mãos imundas?

Pareceu estar confuso, por um momento pensei que ia me matar, mas não o fez.

-Não quer saber? - disse eu.

-Não me interessa saber... oque me interessa é apenas acabar logo com isso.

Foi apertar o gatilho, mas fui rápido, saquei a minha faca que guardava em meu bolso esquerdo e consegui por sorte acertar a mão dele, um tiro voou perto de minha cabeça.

Dei um soco na boca dele, ele tentou revidar, peguei sua cabeça, e a esmaguei contra a parede, seus gritos ecoavam na sala, ele ainda se contorcendo de dor, peguei a faca, e cortei seu pescoço, mas mesmo assim, ele ainda se mexia, e então, o matei da pior forma, puis sua cabeça no vão da porta, e a esmaguei com todas as minhas forças. A sala agora estava rubro-sangue.

Saí da sala, os guardas pareciam nem saber oque havia acontecido, o guarda ainda dormia, e o outro ainda estava no banheiro.

Saí com sucesso daquele país, e agora mudei de nome, e de cidade, porque sou procurado e sou motivo de guerra entre esses países, não posso ter muitos contatos, e Honda era a única coisa que eu tinha, mais uma vez, os Estados Unidos venceram. Mas pelo jeito me acharam...

-Ah, se lembrou? - disse ele, com seu punho fechado.

-Perfeitamente - disse eu, com os olhos fixos no teto sujo da sala.

-AGORA VOCÊ SABE PORQUE MATEI AQUELA VACA DA... HONDA!? PARA LHE CAUSAR A MESMA DOR!

-Ela não tinha nada a ver com isso... Seu filho...

Mais uma batida em minha barriga, uma lágrima escorreu pelo meu olho esquerdo.

-NÃO OUSE FALAR NELE... NÃO AGORA... NÃO AQUI NA MINHA FRENTE!

Me calei, e observei a sala, o homem de óculos me olhava admirado e com medo.

Ah sim, me lembrei da caixa de cigarros que havia guardado em meu bolso, mas que droga, que importância tinha isso agora? Eu iria morrer de qualquer maneira.

-Vou te torturar, não importa oque aconteça, te farei sentir muita dor.

Observei ele pegar uma faca muito bem afiada.

-Mas não sou como você, vou lhe conceder um último desejo... VAMOS DIGA!!!

É claro... por que não?

-Meu cigarro, Carlton, está na minha blusa, você poderia pegar um pra mim?

-Mas é claro! Tudo que contribua para a sua morte!

Pegou o cigarro e colocou em minha boca, o acendeu violentamente, senti o fogo tocar minha pele.

-Agora, vamos ver quanto você aguenta...

Cuspi o cigarro no sobretudo dele, que nem percebeu, pois estava dominado pela mais pura maldade.

Senti a faca cortando minha testa, e sangue escorrendo em meus olhos, a dor não era nada naquela hora...

-SENHOR! Você está pegando fogo! - gritou o homem assustado.

Ele se virou com tudo, e viu que seu sobretudo estava em chamas, se espantou e tentou apagar o fogo. A faca caiu do lado de minha cabeça, a hora perfeita para eu me desamarrar.

Peguei com a boca o cabo da faca, e rapidamente fui tentando cortar a corda vagabunda que me prendia ''Rápido, rápido'' eu pensava.

Ele ainda agonizava nas chamas, e eu me desamarrei, cortei a corda das minhas perna, e corri para junto de minhas roupas.

O maníaco viu, e correu até mim, com a raiva em seus olhos, pulei para o lado, e ele se jogou da janela, só quando fui perceber que estávamos em um prédio.

O de óculos correu assustado, e eu corri até ele, o derrubei, e afinquei a faca com toda a minha força em seu peito. Ele cuspiu sangue, e seus olhos se esbugalharam. Torci a faca, e observei ele morrer lentamente.

Peguei um lenço e limpei o meu sangue. Puis as minhas roupas e olhei para baixo, na janela. Havia sirenes e muito tumulto lá embaixo nas ruas, via um ponto pegando fogo ainda, e uma substância vermelha o envolvendo.

Não havia mais motivos para eu estar ali, mas continuei ali parado, só para esperar a polícia ir embora, oque iria levar um bom tempo. Sentei-me numa cadeirinha que estava lá, e percebi, havia um rádio ao meu lado, bem velho, mas parecia que ainda funcionava.

O liguei, e ouvi derepente a voz do narrador ''E os Dildos fazem mais um STRIKE! Ponto para os Dildos, este jogo já está vencido... Os Aligators estão enterrados até o pescoço!''

-É - sussurrei comigo mesmo. - Fodam-se os Aligators...

Akerbeltz
Enviado por Akerbeltz em 24/07/2007
Reeditado em 24/07/2007
Código do texto: T578113