Um Paraíso Possível

I

O próprio Oliveira era um tanto reticente quanto ao sucesso absoluto do "Experimento".

Porém, com a certeza de alguém que fizera de si mesmo a cobaia principal, sabia que essa era a melhor chance _ talvez a única, pensava _ de se frear a criminalidade no país e até mesmo, no mundo.

Perguntara-se com frequência, porque tantos, ditos intelectuais e pró-direitos humanos eram contra a pena capital... E quanto o direito das vítimas? Mas agora nada mais importava, afinal, a mesma só servia como uma punição definitiva sem contudo, alterar a incidência de crimes.

Hoje riquíssimo e sem herdeiros, o Dr. Oliveira, como era conhecido, decidira tirar do papel o projeto social que vinha abrigando no íntimo e aperfeiçoando há anos.

A história de Oliveira era obscura, somente ele a conhecia na totalidade e ria, sem se importar, com os rumores entrecortados aqui e acolá; fora ou era mafioso, fizera pacto com o diabo, era um estrangeiro aristocrata com falsa identidade, era o homem mais rico do mundo, etc.

Na verdade, Oliveira era um ex-criminoso, embora nunca tivesse sido pego. Também não acreditava no termo "ex"; sabia que uma vez criminoso, conseguiria no máximo, manter tal índole num estado de hibernação, mantendo propensão à prática criminosa de acordo com as circunstâncias...

Ele bem que havia tentado. Até construíra uma bela família, mas, como muitos no país, a perdera pelas mãos assassinas de assaltantes.

E este fora o gatilho para que voltasse a matar... Muito mais friamente do que outrora e totalmente descrente numa regeneração real de criminosos.

Oliveira tomara a decisão de pôr o Experimento em prática, quando viera a público os números da última e abrangente estatística social. A criminalidade aumentara exponencialmente, comparada aos percentuais de dez anos atrás. Essa massa criminosa era formada em grande parte por criminosos reincidentes ou, por pessoas em cujas famílias haviam antecedentes criminais.

Já não era mais uma questão de "quem" se tornaria criminoso, mas "quando". Como se houvesse um germe do crime em cada indivíduo, esperando até ser despertado...

O Estado estava falido. Investira na casa dos bilhões em Segurança, sem retorno digno de nota e agora faltava verba para atender as necessidades dos cidadãos em itens básicos como Saúde, Educação, etc.

Como bom estrategista, o Dr. Oliveira havia criado dispositivos para reduzir as chances de fracasso do seu projeto. E como empresário com excelente tino para os negócios, tinha a certeza de que o seu público-alvo faria fila para participar. Esperava assim, que o sucesso chamasse a atenção do governo, levando o mesmo a patrocinar projetos semelhantes país afora.

II

A extensa área com verde abundante tornava o ar bastante agradável. Tudo era cercado por muros que pretendiam ser intransponíveis. As casas eram novas e confortáveis, transmitindo a sensação de tranquilidade e segurança. Haviam dois prédios de apartamentos para abrigar os solteiros, sendo um para os homens e outro para as mulheres.

O complexo tinha a infraestrutura suficiente para permitir aos condôminos uma vida isolada da sociedade exterior, exceto para casos de doenças graves, havendo inclusive uma enfermaria para atender casos corriqueiros, aberta vinte e quatro horas.

_ Paz! Segurança!... _ pensava, Oliveira.

_ Finalmente saíram os primeiros números e eles estão bem favoráveis! Agora só aguardar os frutos, a próxima geração... _ pensava eufórico.

E a capela local estava sempre realizando casamentos e cursos matrimoniais...

As crianças eram criadas e educadas ali mesmo. Só teriam que sair para a cidade caso decidissem cursar uma universidade. Nesse caso, receberiam uma bolsa de estudos da Fundação que administrava o complexo e que era oferecida a quaisquer residentes que a desejassem.

Ali os condôminos tinham que aprender a conviver com os seus "iguais", no sentido literal do termo. E sentiam que essa era até uma forma mais justa de viverem, já que, do lado de fora podiam ser predadores.

As regras de convivência eram rígidas e, caso alguma fosse quebrada os envolvidos estariam fora do complexo para sempre.

Era de certa forma, uma prisão "voluntária". Uma prisão que oferecia excelente qualidade de vida, a ponto de seus residentes pagarem para viver nela com seus familiares. Vigiados, só podendo sair dali com autorização e ainda assim, com tornozeleiras eletrônicas.

Seus passos fora dos muros eram todos monitorados. Caso houvesse a ocorrência de algum crime na região em que se encontrassem, as autoridades competentes saberiam quem, dentre eles estivera por ali.

Cometer qualquer tipo de delito infringindo as leis vigentes, era motivo para ser expulso.

Esse era um ponto-chave essencial; oferecer um bom nível de vida aos ex-condenados, obrigando-os com isso a se monitorarem para não perder o privilégio de viver no complexo, um local com nível de classe média ou acima, se comparado à vida nas cidades.

Cada um buscava cuidar apenas da própria vida, pois era preferível não ter ciência de quão perigoso poderia ser o vizinho...

Tratavam-se com cordialidade, casavam-se entre si e até davam os filhos em casamento, tendo entendido que, mesmo casando com alguém tido como "honesto" na sociedade exterior, não estariam imunes à reincidência criminosa mediante determinados gatilhos _ haviam assimilado bem os estudos a que foram submetidos antes de ingressarem no complexo.

Eram pessoas livres já que, somente os que houvessem quitados suas dívidas com a Justiça poderiam viver ali. Portanto, se alguém o desejasse, poderia ir embora, porém, jamais seria readmitido.

Ao entardecer, após a jornada de oito horas de trabalho diário, muitos se reuniam na praça central.

Era um momento de relaxamento e socialização e como ainda era cedo, as crianças aproveitavam para brincarem entre si ou com seus pais, criando uma atmosfera alegre e saudável. À volta, um jardim exuberante oferecia o perfume, a beleza e o frescor para refazer até o mais exaurido dos seres.

As ruas do Condomínio Paraíso ficavam vazias pois havia um toque de recolher, e as residências então, mergulhavam em silêncio preparando seus moradores para o merecido descanso.

Ao toque da alvorada tudo voltava a fervilhar, pois era necessário apressar-se para estar presente ao primeiro apito na fábrica ou, para não perder a hora do ônibus na praça central.

A maioria trabalhava na fábrica local, mas alguns preferiam o emprego na cidade e esses tinham que correr ainda mais, pois precisavam preparar e instalar corretamente as suas tornozeleiras eletrônicas.

Os condôminos não podiam possuir veículos e, somente uns poucos e essenciais tinham autorização para entrar e circular pelo complexo.

Os salários da fábrica eram considerados bons, porém iguais para qualquer posto. A liderança era exercida por funcionários eleitos para o cargo pelo período de um ano apenas.

Apesar das inúmeras regras contratuais e do custo relativamente alto que se pagava para viver ali, o grau de satisfação dos moradores era bom; havia ótima moradia, emprego, vida social e as obrigações sociais que os faziam sentirem-se cidadãos de fato. E podiam até se sentir livres dos preconceitos e do alto risco de reincidência a que estariam expostos nas cidades.

E P Í L O G O

Dr. Oliveira sentia-se jubiloso. Agraciado recentemente com uma comenda pelos excelentes serviços sociais que a sua Fundação vinha prestando, estava sempre recebendo convites para expor seus projetos em seminários e palestras pelo país afora.

Devido ao sucesso, o governo não apenas criara um incentivo fiscal às empresas para que investissem no projeto, como também estava ajudando a implantar outros semelhantes em vários estados do país.

A fila de espera para novos residentes era extensa.

Agora, a maior preocupação de Oliveira era a aferição contínua e correta do grau de felicidade de seus condôminos. Acreditava que para os ex-condenados dispostos a largar o crime, construíra o melhor "paraíso" possível, assim como à sociedade que por tabela, livrara-se de importante contingente de possíveis criminosos, mas era preciso averiguar os dados incessantemente para garantir o êxito.

_ Sim! _ pensava _ de que adianta ter a liberdade cerceada e ainda pagar por isso _ se for para ser infeliz _ apenas pelo medo de reincidir no crime e voltar à prisão?

Mas estava relativamente tranquilo, pois os indicadores apontavam uma satisfação real dos residentes.

Por vezes, como agora, deixava as lágrimas rolar pela face.

Era um luxo poder chorar. Vencera!...

Lutara com todas as forças para vencer a pobreza, caíra na criminalidade...

Deixou aquele tipo de vida apenas porque se apaixonou perdidamente pela jovem que viria a se tornar a sra. Oliveira. Tudo mudara então... Não precisava mais digladiar tanto por bens materiais, pois conseguira seu maior bem, e ela, a sua esposa, era sinceramente desprendida de todo luxo e ostentação. Bastava tê-la ao lado, com seu amor e assim, também foi se desapegando de tudo cada vez mais.

Jurara a si mesmo que jamais incorreria em qualquer erro que arriscasse sua feliz vida familiar.

E um dia, tudo desaparecera...

Perdera toda a família, dizimada durante um assalto à sua mansão, enquanto estava ausente, a trabalho.

Foi assim que descobriu que o criminoso que fora um dia, estava ainda latente dentro dele, à espreita, pronto a reagir diante de uma provocação. Caçou os assassinos até encontrar cada um deles e os matou da forma mais cruel que conseguiu, sem quaisquer resquícios de remorsos.

Analisando a própria vida, sabia que deveria haver homens que diante de situação semelhante, seriam capazes de perdoar ou esperar confiante pela Justiça, mas não um que, como ele, já houvera transitado com desenvoltura pelo crime. Não havia na vida, qualquer repressor moral ou material forte o bastante para isso e, talvez no máximo, poder-se-ia adiar essa inexorabilidade...

Era essa descoberta dolorosa que levava os futuros residentes do complexo a tomarem a decisão de abandonar o mundo exterior; a convicção de que estavam predispostos a cedo ou tarde, trilharem a criminalidade.

Saindo do salão de convenções onde finalizara mais um seminário, Oliveira ia pensando na sensação atual que, talvez, fosse a mais aproximada da felicidade que um homem com o histórico dele pudesse atingir.

Afinal, tudo corria muito bem e estava organizado de tal maneira que, mesmo sem a sua presença, seu projeto principal teria vida longa.

Imerso em tais pensamentos, sequer conseguiu ouvir o estampido.

Andava totalmente à mercê da própria sorte, despreocupado dos perigos que no passado o colocara em constante vigilância. Depois que perdera a família, desistira da proteção dos guardas-costas, pois perdera toda a vontade de viver.

Embora não sentisse dor, caiu sob o impacto do projétil. Apenas o peito queimava como se em fogo e percebeu que estava impossibilitado de se mexer. Podia apenas pensar, já com os sentidos meio embotados:

_ Como uma bala no coração demora a matar!... _ pensou. Tempo demais...

Ainda pode ouvir os policiais ordenando ao atirador que largasse a arma. Ouviu o tiroteio que se seguiu... Pôde até mesmo perceber que o criminoso fora morto e chegou a desejar que o mesmo não tivesse deixado descendentes...

_ Também eu não os deixei... Uma maldição enquanto vivi, uma benção agora, pois morro em paz...

Pensando em como de certa forma, a vida fora "justa" com ele, tentou um sorriso, um mero esgar para em seguida, mergulhar na escuridão total.

*F I M*

Allba Ayko
Enviado por Allba Ayko em 17/08/2016
Reeditado em 23/08/2016
Código do texto: T5730944
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