Ô, minino, cê viu o Júlio?
Vendo hoje uma postagem no blog Daqui de Pitanguy sobre o seresteiro Júlio Timote, lembranças de quase meio século pululam. Não que fôssemos parceiros de empreitada, de trinados e gorjeios. Júlio tinha a voz e o inseparável violão. Saía pelo fundo do quintal de seus pais e, enquanto nos divertíamos, em meu beco, atrás duma bola, Júlio trepava a um pé de manga num lote baldio, e nos brindava com canções inesquecíveis, entre as quais, Diana, mais que princesa, reinava.
Júlio vivia numa família complicada. Mudo, o pai Timóteo, batia sola de sol a sola. Era caprichoso e careiro para os padrões e patrões usuais. Entre os 3 irmãos, duas moças haviam herdado a mudez paterna, e o irmão, um pouco menos falante do que o rouxinol da família, nem cantava. Vivia entre o trabalho na fábrica de tecidos e o futebol dos mais crescidos.
A mãe de Júlio era uma Teresa, que alternava momentos de lucidez quando se postava à janela da sala de sua casa e cumprimentava passantes, a crises convulsivas de choro, ouvidos à distância. Sofria de bócio, e do ócio.
Nas poucas vezes em que era vista a zanzar pela rua, abordava crianças geralmente, e lhes perguntava:
- Ô minino, cê viu o Júlio?
Das sonoridades do pé de manga, Júlio partiu para as serestas, requisitado que era. E a boemia passou a reverenciá-lo. Tornara-se imperdível para os apreciadores da noite. E não ficou só no atendimento a pedidos, que vinham em cascata. Produziu também, musicando letras que lhe chegavam. A mais notória foi Amor a três, lindíssima composição que, os habitués da zona, ébrios, sintetizavam, em seus pedidos e perdidos,
para treisamor. Era um sucesso.
E um dia Júlio deixou Pitangui e a saudade, indo exibir sua arte alhures. Novos horizontes. Mas quem é, entre os cumpanhero, que dá conta hoje de seu paradero?
- Cê num viu o Júlio não, ô minino?