Alucinações de alguém

Andando para baixo daquela rua, eu não via nada e fingia não ouvir, porque o uivo dos ventos numa noite sem lua era aleatório demais para adicionar ao medo. O pavor crescia enquanto a escuridão se transformava em corpos e carcaças humanas jogadas pelas margens da trilha que eu seguia. O fim da visão era o começo das imagens que me perseguiam no sono rápido em pé no metrô. Sono sem intermediadores em que as víboras, as quedas, as fugas de uma verdade transfigurada em animais, as bigornas, as explosões emergiam lentamente; primeiro pegam minha mão, cantam um ninar, colocam-me com cinco anos no colo da minha mãe, dão-me um boa-noite e sonhe com os anjos; depois, fecham a porta e me expõem aos papões da noite, que são as fitas rebobinadas das fantasias mortais do dia e das fantasias eróticas-proibidas-massacrantes.

O caminho exaltado pelo cemitério de um genocídio parecia se estreitar e esguer à medida que a visão dava espaço a imaginação até que tudo que eu via era ilusão preenchendo a falta de realidade. A realidade se passou há muito tempo; antes da noite, eu acho que a vi; se agora ainda é noite, já não sei; só sei que é a ilusão, mas é muita ilusão; não sei se sei tanto quanto tem nessa ilusão. Esqueletos respirando, pintos sendo cortados fora, tetas ardendo em brasas, empalados, estuprados, chicotes estalando nas costas de amantes em um coito cujos membros se esfolam,mas nunca acabam.

Nessa trajetória tudo parecia se repetir em intensidade, mas não em imagem. Seguindo uma sucessão de viradas, subidas e descidas padronizadas, mas impossível descobrir a regra. Impossível, mas possível e a sensação de que a saída desse torturante quebra cabeça é resolvê-lo. O tesão, o gozo, o prazer é virar à direita, quando seria para virar a esquerda. Porém o caminho só tem uma linha infinita e o momento sentido pelo corpo não é acompanhado pela visão; tudo é realidade na ilusão, mas quanto é a ilusão? É preciso chegar à encruzilhada que vejo a frente, mas enquanto ando durmo ou esqueço do que vi. Sinto que receberei uma maçãzinha se descobrir os segredos desse maldito padrão e a vejo sempre na minha frente a poucos metros de distância. Tenho fome, minhas bolas estão azuis, minhas pernas já não aguentam, meus olhos querem se fechar, mas não consigo e uma força sobrevivente me diz que devo continuar a andar para sair, a ver pênis escalpados, mamilos cortados, tetas alimentado de sangue e leite suas donas, homens mascando o próprio pau, esqueletos enfiando suas costelas em cús dilacerados.

Meu passo diminui e sinto o controle de mim mesmo. Começo a piscar. Acho que vi um carro. Minhas pernas ainda doem. Esqueletos e pessoas desaparecem. Vejo só a escuridão. Parei de andar. Me sinto deitado. Meu olhos já não doem. Há uma luz. Uma pessoa de máscara. Lágrimas. Terra. Escuridão.

Ass: Rotom.

Tomás Guazzelli
Enviado por Tomás Guazzelli em 11/06/2016
Código do texto: T5663781
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