Esse rio que corre em mim
...e a moça da canoa disse: “__ Já não sei se você é pescador ou jardineiro”. Parece que ela não entende que cada um pode ser isso e aquilo ao mesmo tempo. Pode, não pode? Acho que ela adivinhou meu pensamento. “__ Cada um pode ser tudo e todos ao mesmo tempo, se o tempo der”, foi o que eu ouvi num instante. “_ Ora, ora...minha amiga só preciso que se aproxime um pouco mais da margem, necessito pegar aquela flor”. “__E eu necessito remar” – foi sua resposta, mostrando a grande extensão de água a nossa frente. “__ Minha missão é ajudá-lo a encontrar um bom pesqueiro”, continuou.
Enquanto a canoa deslizava sobre a água fui tomado de uma súbita tristeza, até que abruptamente ela parou a canoa no meio da correnteza: “__ Curioso você, né! Desde que estamos juntos não me dirigiu uma palavra a não ser quando quis apanhar a flor lá na margem”. De fato estava mudo, permitindo que ela continuasse: “__ Não vai me perguntar nada, não quer saber por que uma moça e não um rapaz fazendo esse serviço”. Não precisei explicar para ela que eu sabia toda a sua história. Peguei no fichário geral dos guias turísticos locais, com intuito de não fazer muitas amizades o que retardaria minha volta. “__ Olha, moça, primeiro você estava muito apressada, agora fica ai me atrasando”. Ela baixou a cabeça, mas, manteve sempre as mãos firmes no remo. “_Sabe, moço é que eu precisava conversar um pouco”. “__ Claro, claro” eu falei ironicamente e cheguei a pensar coisas. Ela ergueu a cabeça. “__ E também não é nada do que o senhor está pensando”. “__ Acredito, acredito”, eu disse depositando a rede no fundo da canoa.
Conversamos por mais de uma hora, durante a qual fiquei sabendo sobre seus sonhos e projetos de futuro, tais como casar, ter filhos e felicidades. Depois, me disse que me levaria a um lugar onde pescador algum jamais havia ido. Na verdade, o tal lugar existia mesmo, saímos com a rede e a canoa cheias. “__ Agora quem rema sou eu” fui falando e complementei: “__ É difícil encontrar pessoas assim como você. Você sabia, por experiência, que os outros pescadores poderiam chegar aqui antes da gente, daí a sua pressa... quando notou, porém, que eles tomaram outra direção...”.
Os olhos da moça brilharam e, suas mãos ágeis brincavam com a água e, toda ela ria, ria e atirava água sobre mim. Apesar de remar contra a corrente eu estava feliz. Ouvia-a contar a história da sua vida – que eu sabia – agora com uma nova tonalidade, delineada pela magia da afeição. Ela sorria e o seu sorriso espantava os pássaros na margem do rio. Falava, falava e gesticulava tanto que se perdia nos gestos e eu, admirado, até esqueci minha habitual timidez, e arrisquei: “__ Sabia que você me cativou? Agora você é responsável por mim. Somos responsáveis pelo que cativamos, segundo Saint-Exupéry”. Ela respondeu sorrindo: “__ Esse san-zú-per-ri, tem razão. Você estava tão preocupado em pescar e, eu em conduzi-lo pelo rio que nos encontramos na preocupação das nossas ocupações”. A canoa correu em direção à margem, para o local onde estava a tão desejada flor que em um movimento delicado foi colhida pela moça, e logo depois me foi servida. “__ Ela é sua”, eu disse. Um sorriso largo veio com a exclamação: “__ Mas você queria tanto!”. Pensei em falar que desde o início eu quisera colher para dar-lhe de presente, não falei porque ela adivinhou e pôs a linda flor no cabelo, em seguida, presenteou-me com a mais graciosa gargalhada, dessas que brotam da alma. Desci da canoa, apertei sua mão em sinal de gratidão e confiança, e parti feliz sabendo que apesar de pouco tempo que passamos juntos, foi suficiente e mágico pra se tornar um tempo sem tempo da amizade.