UMA ESCALADA PELA VIDA

(Em homenagem...)

Naquele ano, ouvira dizer que o inverno seria rigoroso.

Sempre se dera bem com a tal estação, imunizada a comtemplar-se a si e à natureza exuberante que brota mesmo dos solos mais gélidos, por sobre o silêncio barulhento do frio,que amplifica os sons longínquos dos demais pássaros fugidios...

Desta vez não fugiria.

Então, decidira ir ter com a neve, afinal, nada se igualaria ao seu próprio e costumeiro inverno. O branco sempre fora a sua cor...o seu destino...

Percorreria as montanhas nevadas, aproveitaria para escorregar sobre a neve, a deslizar pelo tempo, esse fenômeno que desfaz tudo tão rapidamente, feito flocos derretidos.

Preparou o arsenal, a mochila, a água, as roupas impermeáveis, os esquis,as luvas...e partiu para a sua viagem gelada.

Começava pois, a sua escalada pelos Alpes...da vida!

Acostumada a sobrevoar os oceanos, já no início do trajeto sentiu falta das cores do mundo. E subia...e subia...

Primeiramente procurou pelo seu costumeiro céu azul, mas por um instante pareceu-lhe que ele se derretera em neve...ali, talvez ao toque da sua emoção.Estranhou a maravilha! Uma neve tão branca que lhe parecia seu céu azulado. Consolou-se, mas estremeceu com a possibilidade de não mais tocá-lo com o olhar!

-Tudo é tão mais lindo quando enxergamos do alto...balbuciou.

E subia...e subia...

Então, lembrou do amarelo...aquele dos crepúsculos e das alvoradas que tanto já haviam impressionado as células da sua retina, daqueles maravilhosos pôr de sóis dos verões... que por tantas vezes aquarelaram as suas tardes no parque, quando se perdia a encarar o horizonte...e a ziguezaguear entre as flores...

Estremeceu mais um pouco. Mas continuava a escalar. E subia...e subia...

Depois pensou no verde, naquele viço das folhas que revigorava sua juventude perdida, e do quanto lhe doía vê-las, uma a uma, a se despedir das árvores, no início do espetáculo do outono. Quantas vezes já se desprendera e voara igualmente àquelas folhas...sem norte...

Estremeceu mais ainda. Parecia que a cada saudade do colorido de antes, morria mais um pouquinho, congelada nas lembranças das cores...mas continuava firme na sua escalada branca...e subia...e subia...

Mas a tela era discrômica demais!-e qual no branco da neve, também nela se perdiam aos poucos, as cores com as quais sonhara na vida.

Sentiu suas extremidades endurecerem, acreditou que perdera a circulação.

Chacoalhou-se todinha. Fechava os olhos e buscava pela primavera das flores, pois aprendera certa vez que na gélida aflição deveria cerrar as pálpebras e pensar em algo amornado. Em pensamento, também buscou seu verão. Bebericou um gole d’água, mas também ela, acabara de se congelar. Acelerou-se pela neve e se deu conta de que não mais conseguiria.Sentia-se muito ofegante, o coração acelerado, o corpo bambo e pesado, como se algo a puxasse para baixo.

- Chegou a hora, pensou - é minha vez de desistir das cores, devo aceitar o meu destino...

Pendeu os olhos e ao mantê-los com dificuldade, viu algo vermelho misturado aos brancos floquinhos de cristais.

Subiu mais um pouco...e lá estava um milagre:

-A cor da vida!-exclamou-a cor da vida!

Fincada num imenso planalto de neve, alta e imponente, brilhava uma **SUINÃ gigante, dum vermelho rutilante que pincelou seu sangue.

A árvore que aquecia e também enfeitava os invernos!

Estava salva, finalmente.

Tocou levemente seus galhos, guarneceu-se de carinhos, aqueceu-se nas chamas dos seus candelabros e seguiu confortada pela imensidão da vida...

Aos poucos recuperou a face lívida, circularam-lhe rapidamente as extremidades, retomou seu pulso, e pode tranqüilamente descer as montanhas, como se apoiada num esqui, a planar suas asas imensas, entrecortando a brisa quente que lhe acariciava a esperança.

-Então, deve ser por isso! É por isso que a vida rutila na cor da paixão...concluiu a alva, mas já multicolorida Gaivota, que descia...e descia...

****

Notas do Autor.

*Ofereço a inspiração desse conto, a todas as Suinãs que pipocam e decoram o inverno de São Paulo, e que tão belo colorido oferecem às nossas paisagens.Parabenizo-as pela força de florescerem no inveno, respirarem na "inversão" sob um manto de poluição, e muitas vezes sobreviverem escondidas nas entranhas dos matos, cercadas por lixo, sem jamais perderem a cor.

Agradeço especialmente àquela que enfeita a minha porta.

**

A suinã é uma árvore nativa da Mata Atlântica brasileira, presente mais especificamente nas margens dos rios entre os estados do Espírito Santo e Santa Catarina. Seu nome científico é Erythrina velutina e além de suinã também é chamada de mulungu, canivete e corticeira. Mede entre 3 a 5 metros, possui caule espinhoso e folhas grandes. Suas flores são vermelhas vistosas em forma de candelabro.

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Suinã ...Nome binomial

Erythrina velutina

Classificação científica

Reino: Plantae

Divisão: Magnoliophyta

Classe: Magnoliopsida

Ordem: Fabales

Família: Fabaceae

Subfamília: Faboideae

Género: Erythrina

Espécie: E. velutina