Des-expectativas

Aos 20 e tantos anos de existência senti que afundava. Não sabia explicar como, mas percebia que a penumbra não era a mesma de outrora, as sombras pareciam esticar-se, estender-se em minha direção como braços desesperados por agarrar-se a algo. Elas pipocavam em torno do abismo, ameaçando puxar-me ao menor deslize.

Eu sabia que aquilo não era real, que não existia nada no canto escuro do quarto e que minha mente era a culpada pelas vozes que gritavam da escuridão, mas o saber não poderia me proteger do que sentia tão profundamente em meu âmago. Eu estava delirando.

As promessas e os sonhos que poderia ter tido eram como âncoras agarradas aos meus pés, elas me prendiam e me machucavam, impedindo-me de continuar em frente. Cada passo era um suplício, deixava um pouco de minha carne ensanguentada para trás. Um pouco de mim morria a cada passo e muito de mim desaparecia a cada passo que não dava em frente.

Era um beco sem saída em que o peso que se acumulava parecia hercúleo, mas só eu o sentia. Ninguém mais poderia vê-lo ou notá-lo, ele apenas existia em minha cabeça. Mas isso não diminuia seu poder sobre mim.

Durante a noite eu cercava-me de luzes, de distrações e músicas que pudessem entorpecer meu cérebro para desviá-lo dos fantasmas que acenavam para mim, mas eu os via com minha visão periférica; chorando, gritando, rindo e apontando seus dedos desfigurados e insólitos em minha direção, elevando seus prêmios, escarnecendo. Eles eram aqueles que haviam alcançado sucesso onde eu falhara.

O peso da expectativa me afundava mais fundo a cada dia que eu sentia que se passara em vão. Eu me culpava, e me culpando, eu descia mais fundo. Arranhava o fundo do poço com unhas roídas e lascadas com esmalte velho. Os olhos fundos e sem vida, os cabelos eram um emaranhado de fios desconexos. Eu era aquilo que mais temera, era uma fracassada.

Eu fracassara em tudo, os espelhos de minha casa estavam todos quebrados. Não seria suportável ver meu reflexo odioso, a decadência me sorriria malignamente despertando a ânsia novamente.

Quando isso vai parar?

Quando vai passar?

Não sei.

Não quero.

Não posso.

O que eu faço?

Debaixo do chuveiro eu chorava por horas na água gelada pois não tinha pago a energia elétrica. Aquilo amortecia a dor mas as vozes pareciam vibrar junto com o barulho da água que escorria pelo ralo. Em posição fetal eu encarava o vazio e meus pecados me encaravam de volta, satisfeitos. O medo me transformara. Eu era sua prisioneira cativa. Não havia escapatória.

Explodi, levantei-me de salto e joguei o sabonete para o alto, gritando até minha garganta arder.

Vão embora!

Me deixam em paz...

Soquei a parede e me deixei cair no chão, os nós dos dedos sangrando, mas eu não sentia a dor... Eu não sentia mais nada.

Quero minha casa...

Me leva para casa.

Era o que eu implorava às sombras, mas elas não me ouviam, elas só me observavam dos cantos, com olhos que me julgavam, me classificavam, condenando-me e denunciando meu fracasso.

Não aguento mais...

Em um surto de força corri, lancei-me aos trancos pelo corredor do prédio, a nudez escancarada, os cortes no pulso pareciam latejar.

Preciso de ar.

Não aguento mais.

Desvairada, corri em direção a parte externa do prédio. O ar entrou em meu pulmão em grandes golfadas desesperadas, a dor era muita, eu não conseguia mais segurar. O mundo girava e lágrimas escorriam livremente por meu rosto. As pessoas a minha volta me encaravam assustadas, chocadas com minha nudez. Elas não se moviam, só me acusavam. Apontavam. Algumas riam e tiravam fotos, transformando minha dor em entretenimento barato.

Desesperada, busquei o ar, agarrei-me ao poste de luz. Perdi as forças, fui ao chão. Algumas cabeças assomaram sobre mim, mas era tudo um borrão, eu só via meus fantasmas aproximando-se, ansiosos por me levarem nos braços. Eu já não temia para onde. Qualquer lugar seria um alívio.

Casa.

Me levem para casa.

E então, mais nada.