O hinário de Dona Benedita

Ex-feirante e crente praticante, na capital paulista, Dona Benedita cortou um dobrado ao ver a filha Angeli partir para a Finlândia, na esperança de reconquistar a guarda do infante que para lá havia sido levado pelo egípcio ex-marido, uma vez o matrimônio rompido.

E tanto foi que não suportou o distanciamento que tomou a decisão de se juntar à filha, para lhe dar força e inspiração em sua nobre missão. Dentre os poucos pertences que carregou, fez questão de levar seu hinário evangélico, o bálsamo da solitária viuvez, e pilar da modéstia e sensatez.

Não contava, entretanto, com o inesperado dum satânico encontro. Caiu logo de paixão por um paraplégico loirão que já não mais deixava o colchão. E o que a princípio lhe parecera uma cristã e solidária companhia, converteu-se de repente, ou gradualmente - nunca o esclareceu pra gente - numa diabólica armadilha.

O novo amado, em filmes pornôs, era viciado. E questão absoluta fazia, ou por uma força estranha a compelia, a comandar o controle remoto, apesar do humilde olhar devoto, no sagrado hinário sempre fixado, para não deixar cair em tentação o seu puro coração.

Embora sem lograr o intento de recuperar a guarda do filhinho, Angeli viu-se forçada a retornar ao Brasil e, mais uma vez solidária, Dona Benedita, mais que sexagenária, confessou-me seu pesar de das mãos inertes do parceiro o hinário ter de arrebatar.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 20/03/2016
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