O jogo


O JOGO



Miguel Carqueija


Sentado na cabina de pilotagem, Pil fitou a imensa terra de ninguém, lisa e reluzente, à sua frente. As primeiras peças inimigas ainda se encontravam distantes, mas agora seria a hora de promover a aproximação. Pil moveu uma das alavancas.
A peça moveu-se decididamente pelo imenso tabuleiro. Como se tratasse de um cavalo, tinha direito a uma guinada em “ele” lá adiante, podendo escolher esquerda ou direita. As telas à sua volta davam a Pil a visão geral dos contendores, ainda todos lá. O visofone à sua frente, à direita, acendeu-se e Bonina apareceu:
- Oi, Pil! Sabe onde está o Argos? No Rei, mesmo!
- Pfui! Ele pensa que ser rei é que é o bom!
- O bonito.
- O percevejo - completou Pil.
- Pil, olha a Rainha deles! Já está de olho em você, cuidado!
A advertência era de Rai. Pil já estava prestes a defrontar os primeiros adversários. No terminal xadrezado, à sua frente, os peões azuis já se moviam para a frente, eliminando a distância que os separava dos amarelos.
Pil sabia que Ala estava comandando a Rainha Azul. Embora desgostoso, não podia fazer nada. Jogo era jogo. Pil girou para a esquerda. Afastava-se de Ala, pouco inclinado a confrontá-la diretamente. A peça, levada pelas invisíveis linhas eletromagnéticas, moveu-se com maravilhosa suavidade. O reluzente tabuleiro parecia não ter fim.
Não esperava ser eliminado tão cedo, dada a mobilidade de sua peça. Rai, porém, avisou-o para tomar cuidado com o bispo inimigo, pilotado por Alarcon.
- Esse aí é bom – disse Raí.
A primeira peça comida foi um peão aliado, dirigido por Alicia. Na tela de seu terminal Xadreznet Pil observou a casa-alçapão descer, e com ele a desventurada peça. Logo porém várias peças inimigas, inclusive um cavalo, foram derrotadas. Pil teve a satisfação de acabar com dois peões.
Então uma peça estacionou ao seu lado. Pil sobressaltou-se: era Ala. De má vontade ele se afastou, pois de outro modo seria comido. Não queria dar o braço a torcer para Ala; o caso deixara marcas em seu coração, difíceis de cicatrizar. E a presença de Alarcon, no time dela, piorava a situação.
Viu-se então paralisado na margem do tabuleiro, pois qualquer movimento seria fatal. Bonina e os demais teriam de agir.
Passou-se algum tempo. Esquecido pela coordenação da equipe, Pil limitou-se a acompanhar os acontecimentos. Então, viu-se de súbito submetido a um cheque: o bispo inimigo colocou-se na sua direção e ele teve de fugir. Ao passar, já bem distante de territórios inimigos, percebeu a esparrela em que caíra: encontrava-se no trajeto da rainha.
E era a vez do campo inimigo.
- Lamento, Pil – ouviu-se a voz de Bonina.
Pil acenou para a imagem no visofone:
- Alarcon e Ala calcularam bem, paciência! Vocês prossigam.
Ala veio vindo, sobre os quadrados vermelhos. A qualquer momento Pil desceria pelo alçapão. De repente, porém, algo estranho aconteceu: um dos quadrados cedeu sob o peso da Rainha Azul.
- Não é possível – murmurou Pil. – A Ala não engordou tanto assim.
Fosse o que fosse, a peça caiu desastradamente para o porão do tabuleiro. Acidentes desse tipo eram raríssimos, dada a manutenção das peças, mas ocorriam.
- Meus parabéns, colega - gritou Rai. – Nunca vi ninguém com a sua sorte.
Aliviado, Pil exalou um suspiro. Naquela circunstância, pelo regulamento a partida era declarada suspensa e terminada pelo empate. Outro jogo teria que ser marcado. Pelo menos, a ex-namorada e seu namorado atual não teriam o gostinho de eliminá-lo. Não dessa vez, pensou Pil, relaxando as costas e a nuca na poltrona.