Calei, Rouanet

Era a primeira metade da década dos oitenta. Já tínhamos perdido aquele jogo incrível para a Itália, que nos tirou da final da Copa na Espanha. Lotado na Embaixada em Varsóvia, pude acompanhar o entusiasmo dos polacos com a sua rapaziada, Boniek e Smolarek, que haviam feito bonito naquele torneio, até perderem para nossa Canarinha. E apesar da derrota, se não chegavam a declarar, admiravam Zico, Falcão e companhia. Uma emissora de lá chegou até a me entrevistar na véspera do fatídico jogo com a Itália. Só me lembra que falei em cautela, lembrando o episódio do Maracanazo, quando o Uruguai nos mostrara que futebol se ganha no campo. E quem sabe até, antevendo a catástrofe do Mineirão, que fez Dilma esquecer-se de apertar a mão de sua homóloga e convidada, Angela Merkel...

Mas onde é que tou? Queria falar é que enquanto estacionado na Embaixada em Varsóvia, eu ia à Suíça a cada dois meses, mais ou menos, leva e buscar a chamada mala diplomática, que continha a chamada correspondência oficial. A cidade onde se realizava essa troca era Genebra, onde tínhamos um Consulado-Geral, e uma representação junto às Nações Unidas para o Desarmamento.

Excepcionalmente, duma das vezes em que fui a Genebra - por onde costumava então passar o grande Didi, que treinava o Fenerbache, da Turquia - por um desvio de rota, a mala endereçada à Embaixada em Varsóvia fora parar em Zurique, também na Suíça, onde tínhamos outro Consulado-Geral.

Incumbido de estender minha viagem a Zurique, para lá me dirigi, já na rota de volta a Varsóvia. Teria pouco tempo para recolher a mala no Consulado e pegar o avião que me levaria de volta a Varsóvia.

E era um horário fora de expediente quando sonei a campainha do Consulado em Zurique. Angustiantes minutos de espera. Nova insistência, de novo, e de novo, até que a porta se abre: um senhor de seus cinquenta anos, cabelos desgrenhados, cara de menos amigos, traje radicalmente informal atendeu-me, de mala à mão. Não sei como me contive, pois estava a ponto de explodir, do alto de minha importância segundo e quase-permanente-secretário de correio diplomático...e quase lhe passei uma reprimenda por aquele atraso. Mas só quase.

Minha hesitação - que se sobrepôs à excitação - valeu a pena. Meu carrancudo interlocutor, que não mais voltaria a ver, era um intelectual excêntrico em todo sinal, Chefe então daquela repartição e que, anos mais tarde, viria a criar a Lei Rouanet.

Tão sério o Sérgio...

Paulo, por sortilégio...?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 12/03/2016
Reeditado em 06/07/2022
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