O Grilo Hipnótico
Ele está lá fora, do outro lado da parede, no meio das plantas, envolto pelo ar frio da noite. Agarrado à solidez cambaleante de um fino caule, debaixo de uma folha úmida de recente chuva. É invisível na escuridão, na insignificância do seu tamanho ou na dispersão de pedras e folhas do jardim.
O céu é um manto uniforme de nuvens movendo-se lentamente. Clarões silenciosos delineiam o horizonte, um, depois outro, e depois outro. Ele permanece imóvel, como se o tempo tivesse parado ao término do dia, num último por-do-sol. Não há vento, e somente alguns sons longínquos de uma noite urbana ainda soam diluídos na atmosfera.
Ele olha lateralmente para o infinito, fixo. Ninguém sabe o que ele vê ou o que pensa. Ninguém sabe onde ele está, mas ele está. Ninguém sabe que ele existe. Então ele não existe.
Não deveria morrer assim, perder-se de vista sem nunca antes ter sido notado, sem ser a causa de se concluir que a existência de um grilo deve ter algum motivo para acontecer. Não pode não ter nascido. Mas é de sua natureza ser desconhecido, passar despercebido, aparecer e desaparecer, no intervalo entre nascer depois de outro grilo ter morrido, e morrer antes de outro grilo nascer.
Ele é só espera, e espera em obediência aos seus instintos. Apenas sente o que acontece, e sente que deve esperar quanto tempo for necessário, a madrugada inteira, se nada mudar, sem se preocupar se faz sentido ou não.
Numa tentativa de se comunicar com resto do mundo, pronuncia um lamento repetido melodiosamente ao longo da noite, um, depois outro, e depois outro. E que chegue a alguém a mensagem de que um dia ele existiu, mesmo sem resposta, mesmo que continue sendo o único neste seu pequeno mundo, cercado por muros sem outro lado.
Quando o sol despontar novamente em algum lugar do horizonte e tudo voltar a ser o que sempre foi, ele já não estará mais lá, como se realmente nunca tivesse existido. Como se num momento de distração de algum observador oculto, ele saltasse e nunca mais caísse, desaparecendo no ar, libertando-se de sua condição, num súbito desejo de mudar seu destino escapando de si mesmo. E este observador, ao voltar os olhos para o pequeno inseto, não veria nada mais além dos fracos vestígios de sua fuga, o movimento trêmulo do fino caule, carregando agora uma ausência, e o jardim deixado para trás. Resultado de um desespero contido, o não suportar de um silêncio congelado e uma natureza incompreensível até para os extremos do pensamento, um limite causando a explosão de seu espírito, que se desfez.
Existia e não existia, e agora não está mais. Anônimo, do outro lado da parede, não mais de nenhum outro lado. Não haverá mais nada além da lembrança de seu lamento ecoando na cabeça de um suposto ouvinte, que ele gostaria de imaginar que realmente estava por perto, mas que infelizmente nunca será a certeza que lhe traria alguma paz, seja onde for que não-estiver agora. Assim como o mundo nunca soube que ele existiu, ele não soube que eu existi.