Um Olhar a Deriva
Capítulo IV
A Virgem
Nicolle Barthelemy mudou para a rua do Brejo Raso ainda solteira, morava sozinha. Seus pais moravam no Nordeste, mudara para estudar. Ela convenceu o pai a morar sozinha, todavia teria uma ajudante, Donatienne, filha da senhora Apolline, que mora no Bairro Belleville, na rua do Rivoli nº1789.
Os pais de Nicolle, Senhor Thierry e Senhora Juvência, moravam na região do recôncavo baiano, o pai era alto, com a pele já bazé de tanto sol, cabelo lizo, olhos esverdedos, alto e boca grande. A mãe um mulata muito forte, quadril largo, cintura fina e seios fartos.
Senhor Thierry só permitiu que Nicolle morasse sozinha porque a filha era muito prendeira, de pouca conversa, não permitia que estranhos aproximasse dela. Discretíssima quando saia de casa, seu olhar não cruzava com outros olhares, Nicolle sabia observar mas não permitia ser observada. Moça arisca.
Nicolle tinha a boca grande mas os lábios da mãe, carnudos, olhos grandes e verdes, pele morena, pernas longas e pés pequenos, não eram pequenos os seios e nem grande, o quadril igual da mãe. Nicolle é a pura beleza brasileira. A raça negra africana com o branco europeu.
Donatienne é uma donzela esperta no lavar, no cozinhar e no passar. Calada quando não chamada, sempre tinha assunto por horas a fio, se alguém lhe puxasse a língua.
Donatienne menina alta, esbelta, pele muito branca. Qual era o seu maior pesadelo? O cabelo! Eriçado e muito avolumado, não conseguia alizar, ou acalmar o tinhoso. ela era descendente de negros, mas a pele era muito clara.
Nicolle desceu a Rua Brejo Raso em direção a venda do senhor Kalet para fazer compras. Naquele dia Donatienne estava muito atarefada, lavando a roupa de cama, mesa e banho, no dia seguinte as passariam.
Não percebera, mas comprou tanto que levar tudo sozinha era impossível para Nicolle. Kalet tinha um funcionário, Benoit, havia saído para fazer um entrega. Nicolle pensativa olhava para as compras, chegou Belmont, filho do vizinho da venda, avisou que Benoit caíra numa ribanceira com a bicicleta cargueira e demoraria, o pneu furou, o guidão entortou, o retorno do funcionário levaria algum tempo .
Amoroso Noites e Dias estava na venda, não estava bebendo nem comprando, entrara na venda há poucos minutos. Apresentou-se a Nicolle com um gesto de respeito seguido de desculpas por aproximar-se dela, ofereceu para carregar as compras. Ela olhou aquele homem muito forte, discreto no falar e de olhos que lhe incomodava. Não ter percebido a presença daquele homem na venda lhe incomodava, uma mistura de indignação e frustração remoía-a. Seu corpo fora explorado pelos olhos daquele que ela não o percebera?
Decidido e firme, investiu com ímpeto nas compras da senhora, estavam em seus braços e depositadas no chão:
- Senhora, mostre me o caminho e onde poderei depositar seus pertences?
Nicolle andou em direção ao vendeiro, pagou as compras e lhe desejou um bom dia, antes de retornar àquele que estava de posse de suas compras, despediu do garoto que estava na venda.
- Por favor, me acompanhe, o caminho não é longo, mas é íngreme e a rua não é plana, tome cuidado, não quero que o senhor se machuque por mim.
Eles não seguiram em fila indiana, nem muito próximo, o suficiente para uma perceber o outro, seguiram calados, seus olhares eram fixos à frente, nada à esquerda ou a direita lhes chamavam a atenção.
O ritmo das passadas era simplesmente simétrico, quando a perna direita dava um passo, a direita do outro também, direita direita, esquerda esquerda.
A cadência das pernas não era a mesma da respiração, curta e rápida de um, longa e lenta do outro, às vezes, era longo longo para ambos. Subida íngreme, eram cinco quadras, outras tantas quadras eram planas, igual a um platô. Entretanto, antes de vencer a quinta quadra, Nicolle adiantou-se do seu ajudante.
Esticou o braço direito, com a mão espalmada para cima, porém, com os dedos juntos, lhe mostrou qual a casa que ele deveria penetrar. Noites e Dias esperou a senhora abrir a porta, após a senhora reforçar a permissão com um leve declinar com a cabeça. Adentrou a casa, passou por uma sala, depois por um lavabo. Depositou as compras sobre a mesa da cozinha. Donatienne diligenciava em suas tarefas no fundo da casa.
Quando Amoroso virou para a direção da sala, percebeu que o ferrolho cerrou a porta. Num pari passu1, uma sombra perpassou todo o ambiente da casa, entremente a luz da sala não foi totalmente vencida, permaneceram alguns fachos, uns aqui, outros acolá. Algo insólito aconteceu. Nicolle guiou-o para o quarto. Permaneceram no interior do quarto por vários dias e noites.
Donatienne percebera que já era hora de começar o almoço, entrou na cozinha por uma das portas que liga com o quintal. Defrontou com as compras. Ficou confusa. Por que a patroa ao chegar em casa com as compras não lhe chamou?
A criada usava uma touca de cor vermelha, o vestido era ajustado para delinear as curvas do corpo. Mas o vestido não lhe cansava. Azul-marinho até os joelhos, a barra do vestido era de renda, as mangas eram curtas de cor ametista. Um decote que revelava o volume dos seios, dois pequenos relevos empurravam o tecido para frente.
Após alguns segundos, estática na cozinha, Donatienne ouviu um baralho! Vinha do quarto da patroa. Seria da mola do colchão? Pode ser! Uma mola quebrada? Pensou, pensou, a empregada respirava devagar e silenciosamente, seus ouvidos estavam todos voltado para quarto.
Percebeu em pouco tempo que o pé da cama batia, lembrou, a cama precisou de um calço tempos atrás, pois tinha uma perna descompassada com as outras três.
O barulho não era só o inhec inhec da mola, ora era toc toc, nhec nhec , ora era só o toc toc. Percebeu outro som, algo que se chacoalhava, ritmados ou não, estes sons sempre eram acompanhados pelo nhec nhec, toc toc. Mas o que se chacoalhava?
Só se é curioso na proporção do quanto se é instruído. A empregada conhecia alguns segredos da casa. Pe-ante-pé a curiosa moveu-se em direção a fonte dos barulhos, muito precavida, conhecia todas as frestas da casa, nunca sabe do amanhã, prevenir é melhor que remediar.
Donatienne não parou perto da porta do quarto, passou direto e entrou no quarto ao lado. Tirou as chinelas, pegou uma toalha, forrou a escrivaninha, esta junto a parede que fazia divisa com o quarto da patroa. Primeiro subiu na cadeira, depois alcançou à escrivaninha, com facilidade tirou da parede a imagem de Nossa Senhora dos Prazeres, na pontinha dos pés espiou o outro quarto.
A bisbilhoteira enrijeceu os músculos, comprimiu as mãos contra o ventre e mordeu o lábio inferior, sangrou, mas pouco. Após algum tempo desceu da escrivaninha, apoiou os pés na cadeira. Vagarosamente sentou-se na cama.
A arrumadeira relaxou o corpo, limpou o sangue dos lábios, não esqueceu de voltar o quadro da santa para o lugar antes de sair do quarto. Seguiu direto para a cozinha e começou a preparar o almoço. Triplicou na quantia.
Enquanto cozinhava o som do nhec-nhec, toc toc e as batidas dos corpos foram se tornando engraçados para a serviçal, o som junto com a sua imaginação lhe divertia a beça. A cozinheira compôs uma música do som que vinha do quarto. Por volta das 14:00h a patroa chamou a empregada:
– Donatienne!
– Senhora!
– Traga para nós o almoço, eu e meu Amoroso vamos almoçar aqui na cama. A empregada improvisou uma padiola com duas rodas presas a um eixo equidistante ao centro do tabuleiro preso ao eixo. Levou de tudo um pouco que tinha pronto. Arroz, feijão; carne de porco; quiabo; tomate verdolengo; abobrinha batidinha com ovos; duas pamonhas com linguiça; batatinha frita na banha de porco e uma jarra de suco de jaca.
Quando Donatienne chegou no corredor que dá acesso ao quarto, viu várias roupas de cama jogadas no piso de tábua corrida, ela desviou-se das roupas, aproximou da porta do quarto que estava aberta e perguntou:
– Posso entrar Dona Nicolle?
– Claro meu bem!
A serviçal ficou estarrecida com o que viu na cama, disfarçou perfeitamente, os dois estavam nus! Ele estava com as costas na cama, Nicolle descansava uma perna entre as pernas de Amoroso, uma mão apoiada no peito dele descansava a cabeça, com a outra mão mantinha-a na barriga dele e Amoroso mantinha as pernas dela abraçadas pelas dele.
A empregada descarregou o repasto em cima duma mesinha que estava ao pé da cama.
– Empurre a mesinha para perto da cama. Disse a patroa derretendo em suor.
A prestativa menina assim fez e ao sair do quarto ouviu a recomendação da patroa:
– Quando for 17:00h traga nos um lanche, as 20:00 h você pode servir o jantar. Não esqueça de pegar as roupas de cama sujas. As 22:00 h você pode ir. A amanhã bem cedo, lave as roupas , traga outras limpas, faça um café bem variado, agora pode ir.
– Sim senhora.
Os dias seguiram conforme o combinado. No começo era engraçado para a empregada, sempre aquele som toc toc com o nhec nhec da mola quebrada com as batidas das pernas.
O café da manhã, o almoço e jantar seguiam nos horários, não havia gemidos, mas à noite o som começava a incomodar a vizinhança. A janela do quarto deles ficavam junto a calçada, eles não fechavam a janela, permanecendo-a noite e dia, o som daquela algazarra invadia todos os espaços possíveis.
Um dia a empregada começou a se sentir incomodada com a situação. No sábado ela iria para casa. Acreditou que aquilo terminaria, mas não! Na segunda feira continuou.
A vizinhança começou a se irritar, já olhava para a casa acintosamente, as pessoas já estavam espalhando uma estória a respeito da situação, até que, no terceiro dia que a empregada voltou,aconteceu algo digamos “esquisito”.
O relógio da parede do quarto da serviçal marcava 11:30 h da noite, havia uma folhinha sem imagem ao lado do relógio. A vizinhança e o casal da casa, foram acordados por vários bramidos estrídulos e fortes, às vezes, longos, às vezes, curtos, em seguida um uivo que durou quase um minuto, na sequência ao urro e ao gemido veio um desabafo:
– Essa esbórnia tem que acabar! Essa orgia tem que acabar! Rampeira. Donatienne estava descabelada, com olheiras fundas e com lábios trêmulos.
Invadiu o quarto da patroa e lhe chamou de rampeira, quenga cadela no cio.
O pudor voltou a casa, naquela noite. Amoroso Dias e Noites levou Donatienne até sua casa.
Amoroso adiantou lhe um mês de salário e lhe deu férias, não despediram, mas antes de Amoroso dar lhe as costas a moça falou:
– Senhor! Tudo tem limites! Os senhores ultrapassaram os meus limites, eu sou virgem.
1 - com passo igual", igual, semelhante.