O Mercado
Pela terceira vez deu a volta no mercado, sem conseguir achar a barraca do seu Almir. Estava ficando apavorada, tentara falar com as pessoas, e era como se estas, não a ouvissem. O coração batia como o de um pássaro, assustado. Tentou refazer mentalmente o que fizera até então. Lembrou do primeiro som da manhã, ainda de olhos fechados, ouvira a mãe chamando-a, nervosa – acorde! Tininha preciso que você vá urgente ao mercado, comprar coentro. Abriu os olhos sonolentos e viu a mãe com cara de zanga, devia está chamando por ela há muito tempo, tinha o sono pesado... Levantou e se encaminhou as pressas para o banheiro, tirou uma caneca de água do tanque lavou o rosto, sentiu-se mais desperta. A mãe continuava no monólogo de doido, aliás, toda mulher com muitos filhos tinha essa mania de falar sozinha, de reclamar de tudo, pensava, enquanto tomava um gole de café morno e mordia uma fatia de pão. – Ande logo menina, não fique aí amolando, você é muito vagarosa. – Ela não respondeu, apenas largou o pão e enquanto dava um jeito no cabelo, a mãe continuava falando – passe na casa de sua vó e diga que eu pedi pra uma de suas primas, ir com você, seu pai não quer que saia sozinha. – Terminou de se vestir pegou o dinheiro e saiu ás pressas. Ainda ouviu a mãe gritando que não deveria comprar as verduras fora do mercado, - o sol ta quente vai murchar tudo. Foi até a casa da vó que era ali perto, mas as meninas tinham saído, então resolveu ir sozinha. Atravessou a rua olhando para os lados, sentiu-se importante nos seus quase nove anos. Antes de chegar ao mercado, já ouvia os gritos, dos vendedores, que ofereciam seus produtos. Olhava fascinada as barracas de flores, de verduras, pequenas peças artesanais, que emprestava um ar de alegria a manhã. O sol estava muito forte e ela resolveu entrar no mercado para fazer a compra que a mãe pedira. O contraste foi medonho saiu de um calor enorme e entrou num ar quase gelado, entrara do lado dos frigoríficos, aonde as carnes, que vinham do matadouro ficavam penduradas; uma visão de horror, o cheiro do sangue, a quase escuridão, pois com o choque da claridade perdeu a visão por um instante, o que fez ela parar, um mulato carregando um fardo enorme de carne de vaca, gritou com ela, - sai da frente menina. -ela quase desmaiou saiu dali correndo e enveredou pelas lojas de cereais, respirou fundo e quando se sentiu melhor foi procurar a barraca do seu Almir. Mas a sensação estranha voltou, o peito apertava como se estivesse sem ar; se sentia presa, procurou uma porta, agora já não estava preocupada em achar a tal barraca, queria sair dali... No entanto por mais que tentasse não conseguia, quando via alguma claridade logo descobria que as portas tinham grades e estas estavam fechadas. Não sabia o quê fazer... Resolveu perguntar onde estava, mas as pessoas não respondiam, nem sequer olhavam pra ela. O quê estava acontecendo? Resolveu pegar uma caixinha de madeira que estava exposta na barraca de artesanato, só para obrigar a dona, falar com ela. A mulher fingiu que não estava vendo... Tinha a impressão de que aquelas pessoas não falavam sua língua... Reparando melhor viu que pareciam esverdeadas, doentes. Os corredores das lojas eram sombrios, podia ver ao fundo peças de boi, quase inteiras, penduradas em ganchos. Precisava sair dali, sentiu como se fosse desmaiar sabia a sensação estranha que tomava conta dela quando isto acontecia. Desmaiara uma vez, em plena missa, no dia de sua primeira comunhão.
Com dificuldade deu mais alguns passos e sem saber como, se viu finalmente, na barraca do seu Almir... Gaguejou pra pedir o coentro, e ele a olhou intrigado, - ta tendo “vertige” menina? Quer um pouco d’agua? – Ela balançou a cabeça, afirmando; não tinha forças pra falar. Ela bebeu a água de um só fôlego, aos poucos foi melhorando e assim que o homem lhe deu o coentro e o troco, saiu correndo com medo de se perder de novo.
Ao chegar em casa a mãe a recebeu com os gritos de sempre, - onde você estava? Sabe que horas são? Quase duas horas, eu já estava pensando em mandar avisar seu pai do seu sumiço. Fale menina, onde se meteu que nós não a encontramos em parte alguma. Sua vó falou que você saiu antes das nove. E da casa dela, até o mercado, leva menos que dez minutos. - Tininha estava sem voz. -. Mãe eu tava andando pelo mercado e não conseguia sair às portas tinham grades e eu não achava a barraca do seu Almir. – Falou quase chorando. E porque não perguntou onde era pra alguém, todo mundo conhece seu Almir. Não estou acreditando em nada do que você ta me contando. Passou quase quatro horas dentro do mercado? Deixa de ser mentirosa. – Mãe é verdade eu tava lá juro, olha aqui mostrou a caixinha que pegara e a mulher nada dissera. Isto aqui é de uma barraca eu peguei pra mulher falar comigo e mesmo assim ela nem me olhou. – Você roubou? - Não, mãe é que eu estava lá na barraca da mulher e não sei como fui parar na Barraca do seu Almir, aí depois esqueci de passar na outra barraca e devolver.- Menina danada, você vai ficar de castigo e vai comigo entregar esta porcaria de caixa pra aprender a não mexer no que é dos outros. E vou contar para o padre João que vive defendendo você, sua sonsa. Tininha começou a chorar. Percebia agora que estava com muita fome. Será que ficara mesmo todas àquelas horas no mercado? Mas como? Só dera algumas voltas, a mãe devia está exagerando...
- Vai comer logo, que vamos ao mercado devolver isto. Tininha foi até a mesa pegou o prato que estava coberto com um paninho, era o seu almoço, estava frio, comeu sem muito gosto. A mãe estava se arrumando as pressas pra ir com ela até o mercado. Os irmãos olhavam para ela debochando, - aí a queridinha do papai é ladrona. - Ela não respondia.
Nem terminou de comer direito a mãe já a puxava pelo braço, - vamos que tenho muito que fazer. Tininha se deixou levar assustada. No mercado deu voltas e voltas com a mãe e não consegui achar a mulher para devolver a caixa. A mãe foi então na barraca do seu Almir para saber se ele sabia onde a menina pegara a tal caixa. Seu Almir já estava quase fechando a barraca, mas parou para atender sua mãe que explicou o ocorrido. – Ele tomou a caixinha na mão era de madeira revestida de chita, uma beleza de trabalho... Ele coçou a cabeça e sem jeito falou: - Bom Dona Madalena, essa caixinha era vendida há mais de quarenta anos, pela minha mãe. Depois que ela morreu ninguém mais fez esse trabalho. A barraca dela era aqui do lado e eu era moleque quando ela vendia estes porta-jóias. Essa menina ao que parece voltou no tempo, se me contassem eu não acreditaria... Mas, não existe ninguém por aqui, que faça este trabalho. Isso só pode ser coisa do outro mundo. - A mãe de Tininha quase teve um treco. Deixou a caixinha com o homem e saiu a arrastando dali.O homem ficou pasmo não sabia o quê dizer. E a menina não entendeu nada daquela história de doidos.
Jacydenatal
04/07/2007