Plena

Ela estava submersa no nada novamente, e o nada era incrivelmente maravilhoso. Ela não se importava que já não mais poderia sentir as mãos dele, que ela nao mais poderia ver, ou sentir, ou ser. O alívio da pressão intolerável era tudo que ela precisava.

Mas e depois do nada? Inanis. Parou de rolar montanha abaixo, recuperou o fôlego, limpou as gotas de suor que paralisaram em sua testa. Ela estava a salvo.

Os velejadores que passaram por ali, abriram o céu oferecendo tampinhas nas costas e, num ritual pré-definido, recitaram o óbvio do: "Você poderia ter morrido.". Esquecidos jocosos que aquilo era vazio, diziam ainda: "Isso foi muito legal.".

Seguiu-se o transbordamento do orgulho infantil, cercado de bandolins, regou uma cantarola: "Não foi tão difícil, achei, estou pronta para enfrentar a morte novamente.".

Lembrou-se dele a em-si-mesmar no horizonte. Jogava a alça da mala para longe do corpo a cada passo, num ritmo desajeitado, abria caminho com os próprios pés. Tinha uma alma oitentista e um sorriso secular sob medida para a face pueril e silenciosa.

Ela não voltaria atrás. Apesar de tudo. Antes que pudesse se dar conta, infelizmente (uns se atreveriam dizer), o formigar de seus dedos se fez presente, os pés; Ela pôde sentir as mãos dele apretando as dela firmemente. Seu coração batia regularmente, o sangue passava sim por suas veias, pôde sentir. O que quer que seja que tivesse acontecido, qualquer que fosse o erro cometido, tinha acabado agora.

Já não era mais a mesma, todavia. Viu o que vira antes, sentiu o que sentira antes, mas não era o que fora outrora. Era ela, de alguma forma, mais. Mesmo que tivesse presente a força sempre evitada.

Escutou a voz dele em volta, circulante, redonda, cheia e balbuciada: "Sério, você poderia ter nos matado.". Contudo, ninguém nunca descobrira o que deveria ter se realizado. Para isso, tinha uma rajada de vento e eles se foram.