A VACA E A TORMENTA
Rezava para não nos acontecer o que havia atingido em cheio os meus vizinhos. A tempestade não dava mostras de ter alcançada toda a sua raiva com que castigava o nosso pequeno e isolado vilarejo. Com a casa totalmente destelhada, a família veio nos pedir abrigo, prontamente aceito. Agora eram duas famílias inteiras apavoradas e a implorar aos céus que levassem para longe as nuvens carregadas de energia e água que vomitava violentamente sobre nossas cabeças raios, trovões e aguaceiro pesado como que nunca se havia visto antes. Era o próprio céu a se desmanchar sobre a nossa pequena e humilde Posoné.
O córrego que passava atrás do quintal de nossas casas havia se transformado num rio nervoso e traiçoeiro. O galinheiro que tinha não resistiu à força de suas águas e foi levado junto com as galinhas e o meu galo Joca, pobre Joca. Peludo, o nosso pastor alemão não conseguiu se safar da correnteza do monstruoso curso de água revolta em que havia se transformado o sereno córrego chamado pelos moradores de Posoné de Sossego, por causa da suavidade do rolar de suas curtas águas e os cantos dos pássaros nos ramos das árvores à sua beira.
A tempestade já durava mais de quatro horas e parecia querer continuar por mais tempo a nos açoitar com a ventania que assobiava uma sinfonia macabra por entre as árvores que ainda se mantinham em pé.
A luz já tinha sido interrompida, assim como o nosso telefone. Pensei em montar na bicicleta e tentar chegar até o centrinho para pedir ajuda, mas que ajuda, ajuda de quem, se todos estavam na mesma situação?! Antes de que outros me dissuadissem da aventura fatal, eu mesmo já havia-me convencido sobre a loucura de meu plano. O melhor era ficar dentro de casa agachado sob as mesas e orando para que nenhum mal maior nos atingisse.
Mais alguns minutos, um estrondo ainda maior como seu o céu estivesse desabando sobre nós e, então, não se ouviu mais nada. O barulho da chuva no telhado, do vento forçando portas, janelas, telhas e árvores, da correnteza violenta do Sossego haviam silenciado. Não houve aviso qualquer de amansar a natureza furiosa, apenas, repentinamente, havia acontecido.
Com o pavor de minha mulher fazendo-lhe tremer todo o corpo, abri a porta principal da casa e saí para ver o que havia ocorrido. Ao redor, pura destruição. A rua de terra batida e lisa estava toda ela sulcada por profundos buracos pressionados pelo peso da chuva forte, verdadeiras lagoas se formaram por toda a extensão da rua. O meu jardim na frente da casa era um emaranho de terra, lama e restos de plantas que formavam uma massa disforme e nojenta. Praticamente, todas as árvores haviam sido derrubadas ou partidas ao meio pela força terrível do vento. Numa das árvores partidas, entre a sobra de um ramo grosso e de seu tronco, a mais ou menos 4 metros de altura, havia algo enorme mas que não conseguia identificar, forcei os olhos em meio à penumbra para tentar enxergar o que poderia ser aquilo. Com muito esforço consegui perceber de que era uma vaca que havia sido arremessada até ali pela força do vento. Torci para que ela já estivesse morta, pois como conseguiria tirá-la de lá? Sua imobilidade dava a entender que a infeliz já não sentia mais os tormentos que nos afligiam ainda.
Da vaca levantei mais os olhos para ver se as nuvens ainda estavam ameaçadoras. Mas, não vi mais qualquer nuvem, não vi absolutamente mais nada. Estava escuro demais, então, se não havia mais nuvens encobrindo o céu, haveria de ter estrelas ou a lua, mas nada, também. Onde estariam? O que poderia ter acontecido com elas? Olhando mais detidamente para cima, fixei o olhar num ponto do espaço situado exatamente acima de mim, dobrando todo o meu pescoço quase encostando a nuca no ombro. Soltei um grito de pavor, os outros que ficaram dentro de casa tomados ainda mais de pânico pelo brado arrepiante, saíram ao meu encontro e também olharam para onde estava com o olhar fixo. Todos nós agora atônitos, paralisados, olhando para um imenso, enorme, medonho buraco sobre as nossas cabeças.
As nuvens eram gigantescas, altas e pesadas, mas tão pesadas que acabaram se grudando ao céu, este não resistiu ao peso das mesmas e à precipitação violenta, que a parte agarrada às nuvens veio com elas literalmente por água abaixo sobre nós.
Por ora, aqui embaixo a tormenta havia nos deixado e se misturado às coisas da terra trazendo-nos um pedaço do céu sob os nossos pés. Graças aos céus, a destruição total de nosso vilarejo havia cessado, avaliando silenciosamente a situação, não tive coragem de dividir o meu pensamento com a família e os nossos vizinhos sem teto, mas o que acontecerá quando chegar o dia e nós estivermos de cabeça para baixo? Será que nosso vilarejo inteiro cairá dentro do buraco?