Paranóia
É madrugada e a paranóia começa assumir o controle da minha cabeça. O barulho da chuva e dos distantes trovões são os únicos sons que rivalizam com o silêncio infernal que atormenta minha mente. A garrafa de whisky sobre a mesa, está completamente cheia. Porém, nem a vontade de beber me acompanha nesta noite soturna. Nada para amenizar minha inexplicável angústia. Tudo está relativamente bem; relacionamento, trabalho, dívidas... Tudo sobre controle. Isso só faz aumentar ainda mais meu sofrimento.
Por quê? Por que não estou satisfeito? Por que não estou feliz? Se aparentemente tudo está bem. Olho pela décima vez pela janela. Lá embaixo também reina o silêncio. Ninguém na rua, apenas um gato preto revirando uma lixeira. Por um momento penso em saltar em direção a liberdade. Não! Não tenho coragem. Pego o smartphone. Todos parecem felizes no perfil da rede social. Será mesmo que todos estão alegres? De repente me dou conta que também sou mais um dos felizes do mundo virtual.
Pensamentos dispersos e descontínuos me atordoam; religião, política, futebol, carreira... Nada parece ter sentido algum. Sou um imenso vazio. Exemplo de pessoa bem sucedida. Mas incapaz de se encarar em frente a um espelho por mais de 30 segundos. Não tenho uma arma em casa. Sempre fui contra o uso de ferramentas que empoderam seres humanos ao status de deuses da morte. Mas só por um segundo aspiro esse poder.
Sobre a mesa, ao lado da garrafa de whisky, apenas um
cinzeiro com muitas bitucas de cigarro e o jornal do dia anterior. O folhetim permanece intacto, apenas a capa anunciando mais um atentado terrorista, fora lida. Caralho! Nada faz sentido.
Finalmente dou o primeiro gole. Uma tentativa desesperada de fugir da realidade. Examino os bolsos de onde tiro um pino de cocaína e preparo a carreira ainda olhando para o jornal. Dessa vez outra notícia me chama a atenção; meu time está prestes a vencer o campeonato. E daí? Não quero cheirar essa porra! Já são dois anos limpo. Outro gole da bebida. Dessa vez esvazio o copo inteiro de uma única vez.
Afasto-me da mesa com a carreira de pó e me ajeito no sofá. Por um minuto tive a sensação de estar dormindo. O maldito relógio que todas as manhãs desperta a dor em mim, desperta. Seis horas da manhã, mas hoje é domingo e não tenho que trabalhar.
Decido ir para rua. Ainda no corredor do meu andar esbarro numa jovem que parece voltar de alguma balada. Me abaixo para resgatar o jornal de domingo que tinha acabado de pegar na porta do apartamento. Ela também se abaixa. Olha por um segundo no fundo dos meus olhos e sorri. No seu olhar enxerguei sonhos de alguém que passou a noite comemorando com os amigos a aprovação no vestibular. Aquele olhar, aquele sorriso, ingênuo e sonhador. Por um segundo me fez esquecer a paranóia. Por um instante me fez acreditar na vida.