AS BODAS DE MARIA

O mundo esta parado, nos olhos de Maria, ou assim ela se denomina. Um nome comum, num rosto comum, as vezes, parecendo quase sem vida. Ledo engano, há vida ali.

Ela esta há tanto tempo naquele sótão. Ou seria algumas horas, alguns dias, meses, anos, segundos. Maria vive um sonho de tantas outras infantes, sonhadoras iludidas. Ingênuas e inocentes, quase burras. Ela já nem lembra de sua historia; talvez uma menina mimada e rica, ou uma suicida neurótica. Quem sabe uma donzela esquecida ou uma virgem ensandecida, não lembra. Ela só se recorda de uma coisa, com certeza; tem que sonhar e o seu sonho mais pungente, é ver seu amado, ali entrando, como um príncipe garboso e belo, para lhe fazer feliz pra sempre.

Olhos no horizonte, estática, nem percebe o vulto que se aproxima até ser tarde de mais. Sentiu um arfar em seu rosto. Uma mão a lhe tocar a cintura. E quando deu por si, estava mirando fixa aqueles olhos. Mas parecia os olhos daquele manequim, que estava a pouco, ali no canto, parado. Aquele belo boneco de tamanho natural que por tantas vezes, encarnou o seu príncipe encantado, que lhe acompanhou em tantas aventuras românticas, em seus devaneios pueris. Agora ele estava ali, não mais sem vida, mas avido de amor naqueles olhos. De seus lábios até então selados pela inercia, brotou um sussurro ensurdecedor: meu amor! Sua alma gelou e seu corpo se derreteu. Entregou-se aquele homem impossível. Não era logico. Não era racional o que acontecia, mas deixou-se levar, como um naufrago numa tempestade em alto mar. Entregou-se aquela insanidade, e ele correspondeu com um beijo ardente. Agora, sua alma antes congelada pela surpresa, liquidificou-se.

Num movimento leve e rápido, ele a tomou nos braços e como se por encanto, surgiu uma valsa imaginaria e começaram a dançar. Sentiu seu corpo transportar-se par algum lugar fora do lugar, onde estava vestida de noiva, ao lado de seu amado, como um desfecho de um enlace lindo. Era um presente que recebia, depois de tantos anos de solidão e loucura. Acho que deus se apiedou dela, e deu vida ao seu romeu.

Era quando estavam no auge da elegia, que se ouviu ao fundo uma voz quase familiar. Brotava como um som gutural, que aos poucos foi tomando forma e coerência. Ouviu as ultimas palavras: para de sonhar e desce pra jantar. Achou que era sua mãe, ou algo assim. Algum personagem de uma de suas tragédias mundanas? Não lembra e nem se importava mais. Queria viver aquele momento único." as favas mãe, não enche o saco!" pensou ela em dizer. Mas não tinha forças. Nem sabia mesmo se era sua mãe. Se tinha mãe. Seu parceiro também nem titubeou. Parecia impassível aos agouros da velha gralha. Continuou no ritmo da valsa. Ah delicia de momentos. Queria que continuassem pra sempre. Triste ilusão.

Não contente, a anciã mexeriqueira, subiu e adentro aquele sótão com uma raiva tremenda e separou os dois abruptamente. Olhou pra ele com um ar de descontentamento e voltou suas orbes sedentas de raiva para ela, fitando-o initerruptamente. Sem piscar, parecendo um robô funesto, brandiu sua sentença. " vai viver eternamente este devaneio juvenil? Será que não cresce? O que quer da vida afinal?"

Ela queria esfolar aquela criatura viva,. Não interessa que era sua genitora, não podia fazer aquilo. Falta de respeito e amor. Mas parecia que seu corpo não se movia. Talvez a raiva e a indignação não a deixasse reagir.

A velha continuou, desta vez, voltando sua atenção ao seu amado. O que ia fazer com o coitado? Era somente um boneco, sem vida. Sua vida era minha, pensou ela, eu o criei. Mas a rigidez a impediu de qualquer salvamento.

De repente, após alguns instantes fitando o coitado, a rabugenta desferiu um tabefe espetacular no rosto do príncipe. Ela não coube em si. Num movimento de desespero, moveu-se alguns milímetros a frente, no entanto, seu corpo ainda rijo, despencou direto ao chão. Sua face estatelada no assoalho e seus membro inertes. Ela só podia ser uma bruxa, uma feiticeira que nos aprisionou. Quase desabando dentro de si, ouviu a louca gritar ensandecida para o pobre homem :" acorda pra vida, meu filho, levanta essa boneca e arruma essa bagunça e desce pra jantar."

Ita poeta
Enviado por Ita poeta em 27/11/2015
Código do texto: T5462263
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