“A SOMBRA”
Por Sidney Leal
No jantar só estavam os dois, o homem e sua sombra, num silêncio sepulcral no casebre humilde. Numa mesa de canto esquecida, uma vela solitária iluminava timidamente os dois, enquanto sua chama dançava enlouquecida pelo soar do vento da janela semiaberta. Sua luz precária iluminava o homem sentado e logo abaixo, refletida no chão frio, sua sombra.
A sombra o olhava às vezes temerosa, imaginando qual seria a reação em sua face indiferente. Pensava consigo, como aguentava viver perto de alguém, neste ritmo triste, silencioso, tanto tempo?
Ele por sua vez distante, pensava em outras banalidades que a vida suburbana lhe provia.
Ela olhava ao redor na casa humilde de poucos móveis, onde velas eram as opções para economia de energia, e, pensava nas conquistas e nas vitórias que sentia gritar em seu coração quando jovem, mas hoje ele...Voltava novamente seu olhar para a figura cansada à sua frente. Nem família foi capaz de formar, filhos não possuía, e amar!? Um grande amor nunca viveu, nunca sentiu o peito arder de paixão, ou por falta dele! Estava cansada de escutar suas amigas, outras sombras, que riam e chacoteavam fazendo-lhe pouco caso, pois a boa sorte do destino as abençoara, as ligara a seres que erravam, se aventuravam, amavam... Sem medo dos resultados, sem medo das desilusões, de peito aberto com uma longa história de experiências de vida.
Pobre sombra! Ela nada tinha, passava a vida sendo arrastada de lá pra cá sem atenção, sem ser notada, nem um bom dia ou boa noite sombra! Que bom que está aí sombra! Pensava no desperdício existencial que era sua vida, pois poderia oferecer mais, muito mais; poderia lhe oferecer o ombro para chorar as tristezas da vida, o sorriso para parabenizar suas vitórias, o coração de sombra para lhe fazer um carinho quando triste estivesse. Sentia-se negada, destratada, anulada a apenas seguir se arrastando no ritmo morto de seus passos, silenciosa. Aquela situação era por demasiado injusta! Não devia ele ter o direito de viver todas as aventuras da vida. Ele devia ser apenas “a sombra”, pois sim! Ele com certeza não se importaria em seguir moribundo, uma pessoa; ele com certeza não se questionaria de seu triste fim. Ah! Mas se fosse com ela, as coisas seriam diferentes.
Novamente veio o silêncio.
Ele mastigava indiferente, os movimentos automáticos de sua mandíbula geravam um barulho irritante, que a exasperava. Asco que emergia de sua tristeza e que lhe ouriçava os sentidos.
A sombra com a cabeça entre as mãos se derretia em lágrimas que lhe escorriam pela face sem forma, assim como o seu coração triste naquele momento. De repente ela levantou se erguendo com convicção, decidida, com as costas das mãos trêmulas enxugou o que lhe restara de tristeza da face negra, presa como estava esticou-se o mais que pôde até chegar ao interruptor, e num último suspiro lançou um olhar de despedida ao vazio daquele ser... E acendeu a luz.
______________
Sidney Leal foi vencedor do 8º Concurso Literário de Suzano 2012 - edição Cora Coralina - 1º Lugar Categoria Conto Regional. Desenvolve como Presidente da Associação Cultural Literatura no Brasil, uma série de projetos de incentivo e fomento a leitura na cidade de Suzano-SP onde reside atualmente. É autor dos livros: “Minhas Histórias de Mistério Terror & Morte” (2011); Organizador e escritor da coletânea: “Esquecidos na Noite” (2012); “Sussurros da Noite – Loucuras & Sonhos” (2014). E-mail: anexoxx@yahoo.com.br
(ANTOLOGIA LIONS)
Por Sidney Leal
No jantar só estavam os dois, o homem e sua sombra, num silêncio sepulcral no casebre humilde. Numa mesa de canto esquecida, uma vela solitária iluminava timidamente os dois, enquanto sua chama dançava enlouquecida pelo soar do vento da janela semiaberta. Sua luz precária iluminava o homem sentado e logo abaixo, refletida no chão frio, sua sombra.
A sombra o olhava às vezes temerosa, imaginando qual seria a reação em sua face indiferente. Pensava consigo, como aguentava viver perto de alguém, neste ritmo triste, silencioso, tanto tempo?
Ele por sua vez distante, pensava em outras banalidades que a vida suburbana lhe provia.
Ela olhava ao redor na casa humilde de poucos móveis, onde velas eram as opções para economia de energia, e, pensava nas conquistas e nas vitórias que sentia gritar em seu coração quando jovem, mas hoje ele...Voltava novamente seu olhar para a figura cansada à sua frente. Nem família foi capaz de formar, filhos não possuía, e amar!? Um grande amor nunca viveu, nunca sentiu o peito arder de paixão, ou por falta dele! Estava cansada de escutar suas amigas, outras sombras, que riam e chacoteavam fazendo-lhe pouco caso, pois a boa sorte do destino as abençoara, as ligara a seres que erravam, se aventuravam, amavam... Sem medo dos resultados, sem medo das desilusões, de peito aberto com uma longa história de experiências de vida.
Pobre sombra! Ela nada tinha, passava a vida sendo arrastada de lá pra cá sem atenção, sem ser notada, nem um bom dia ou boa noite sombra! Que bom que está aí sombra! Pensava no desperdício existencial que era sua vida, pois poderia oferecer mais, muito mais; poderia lhe oferecer o ombro para chorar as tristezas da vida, o sorriso para parabenizar suas vitórias, o coração de sombra para lhe fazer um carinho quando triste estivesse. Sentia-se negada, destratada, anulada a apenas seguir se arrastando no ritmo morto de seus passos, silenciosa. Aquela situação era por demasiado injusta! Não devia ele ter o direito de viver todas as aventuras da vida. Ele devia ser apenas “a sombra”, pois sim! Ele com certeza não se importaria em seguir moribundo, uma pessoa; ele com certeza não se questionaria de seu triste fim. Ah! Mas se fosse com ela, as coisas seriam diferentes.
Novamente veio o silêncio.
Ele mastigava indiferente, os movimentos automáticos de sua mandíbula geravam um barulho irritante, que a exasperava. Asco que emergia de sua tristeza e que lhe ouriçava os sentidos.
A sombra com a cabeça entre as mãos se derretia em lágrimas que lhe escorriam pela face sem forma, assim como o seu coração triste naquele momento. De repente ela levantou se erguendo com convicção, decidida, com as costas das mãos trêmulas enxugou o que lhe restara de tristeza da face negra, presa como estava esticou-se o mais que pôde até chegar ao interruptor, e num último suspiro lançou um olhar de despedida ao vazio daquele ser... E acendeu a luz.
______________
Sidney Leal foi vencedor do 8º Concurso Literário de Suzano 2012 - edição Cora Coralina - 1º Lugar Categoria Conto Regional. Desenvolve como Presidente da Associação Cultural Literatura no Brasil, uma série de projetos de incentivo e fomento a leitura na cidade de Suzano-SP onde reside atualmente. É autor dos livros: “Minhas Histórias de Mistério Terror & Morte” (2011); Organizador e escritor da coletânea: “Esquecidos na Noite” (2012); “Sussurros da Noite – Loucuras & Sonhos” (2014). E-mail: anexoxx@yahoo.com.br
(ANTOLOGIA LIONS)