O SONHO

O suicida ia pular, mas do alto do edifício, na fímbria do horizonte, viu o mar. (Nemésio Silva Filho)

Sonhava que estava caindo, caindo, caindo, num cair sem fim. Acordava depois, assustado, no chão ao lado da cama, ensopado de suor, tremendo. Ouvia o tique-taque do relógio em cima da cabeceira da cama e conferia que já passava das três da manhã, como das outras vezes do mesmo sonho. Morava só. Não tinha nem com quem comentar o sonho que já o vinha atormentando há vários meses. Não dormia mais, com medo de cair de novo dentro do sonho. Saía para ver a rua, ainda deserta, silenciosa. O vento da madrugada açoitava as árvores, únicas testemunhas silentes do seu terror noturno. Amanhecia completamente exausto, mal humorado, irascível, com uma dor de cabeça do tamanho dos astros.

Algumas vezes caminhava até a biblioteca pública para pesquisar sobre sonhos. Leu quase todos os livros sobre o assunto, mas não se convencia com as explicações simplórias e simplistas. Queria mais, queria desvendar que tipo de premonição o sonho lhe queria dar.

Foi aí que um dia, em suas andanças, viu um cartaz de uma cartomante, cuja conduta, dizia-se, era altamente ilibada. Numa tarde então, depois de seu sonho inquietante, sentou-se de frente com a quiromante, que sorriu-lhe com o canto da boca. Pareceu-lhe que ela desdenhava dele. Antes que abrisse a boca a pitonisa botou cartas sobre a mesa e ordenou-lhe, fitando-o com enormes olhos sonsos e agudos, que escolhesse uma carta. Ordenou-lhe. Ele não acreditava em nada, mas apontou uma.

A cartomante ficou séria, mas lhe falou que não havia com o que se preocupar. A carta que ele escolheu era a Torre que anuncia eventos inesperados, que algo irá mudar ou provocar uma transformação súbita. Ele saiu vazio. A cartomante em nada acrescentou à sua busca por respostas. Que eventos inesperados? Que transformação súbita?

Acordou no dia seguinte restabelecido. Teve a impressão de que o temível sonho em que caía não lhe havia atormentado como das outras noites. No entanto, percebeu que não se encontrava em casa e sim em um quarto de hospital. Alguém acendeu a luz e atônito, viu-se rodeado por médicos e enfermeiras que lhe sorriam. Soube depois que, milagrosamente, havia acordado de um coma profundo.

Ainda assustado e incrédulo, ouviu dos médicos que ele estava ali no hospital há mais de um ano, depois de ter caído de um edifício, numa suposta tentativa de suicídio.