Salvamento

Julia acordou sentindo um cheiro forte de fumaça em seu apartamento. Tudo estava muito escuro e a fumaça não a deixava ver com clareza. Um clarão vindo de algum lugar ao fundo e momentos depois ela conseguiu ver uma luz laranja avermelhada alguns metros a sua frente. Fogo. O pânico tomou conta de Julia, então ela percebeu que estava amarada e que não conseguia se mover.

Aquela havia sido uma quarta-feira estressante para Julia. Além estar tendo uma série de desentendimentos com seu ex-namorado (que não aceitava o fim do namoro), ela havia acabado de sair da casa dos pais onde teve uma discussão muito séria com seu pai a respeito dos rumos que sua vida estava levando.

Ela entendia que o pai estava certo em muito do que foi dito, mas ela sendo muito cabeça dura e teimosa, não aceitava o que ele dizia por nunca ter sido um pai presente. Porque agora ela iria aceitar o que ele dizia e fazer o que ele queria? Ele nunca participou de sua vida efetivamente. Então por quê?

Ele pedia para ela voltar para casa, onde poderia economizar com aluguel e comida. Ele disse que ajudaria ela a fazer os cursos de especialização que precisava para conseguir um emprego melhor, além de estarem mais próximos. Porém tudo que Julia conseguia enxergar era que o pai queria ela por perto para poder controlar o que ela fazia e principalmente com quem ela andava.

O pai sempre foi muito preocupado com o lado sentimental da filha, porque sabia que ela era uma pessoa muito carente de afeto e isso era sua culpa, ele sabia. Ele sempre foi um homem ausente por causa do trabalho que lhe ocupava a maior parte do tempo. Quando ele percebeu que havia se afastado muito da família, já era tarde demais e sua pequena filha que havia se transformado em uma mulher, estava se mudando de sua casa para viver sua vida sozinha.

A mãe de Julia sofreu muito quando sua companheira de todas as horas saiu de casa. Foi quando o pai sentiu o quanto essa saída de casa pesava sobre seus ombros. Todos os momentos que ele não esteve presente caíram como uma pedra sobre suas costas e esse fardo era pesado demais para carrega-lo. Por isso ele tentava a todo custo trazer sua filha de volta para casa e tentar compensar o tempo perdido.

Julia e o pai brigavam toda vez que ele entrava nesse assunto e principalmente quando falavam sobre Tony, o namorado de Julia.

No começo do namoro Tony era cavalheiro e amoroso demais com ela, mas com o passar do tempo se tornou controlador e possesivo. O ciúmes dele era tanto que passava horas em frente ao trabalho dela para ver com quem ela andava e falava. Uma certa vez chegou a bater em um primo de Julia achando que era algum desconhecido tentando algo com ela.

Depois de muitas ameaças e brigas, eles acabaram terminando o relacionamento de dois anos, mas de vez em quando ele tentava uma reaproximação o que causava mais brigas e novas ameaças.

Nesse dia, porém Julia acabou discutindo um pouco mais sério com o pai e nem deu chances para que ele falasse o que estava querendo. Ela estava cansada e querendo ficar sozinha por alguns dias para refletir os rumos de sua vida.

Julia estava sem ar e seus olhos lacrimejavam por causa da fumaça. Ela começou a sentir que iria desmaiar. Não sabia por que aquilo estava acontecendo. Ela tentava entender tudo e começou a ter alguns flashs de momentos antes de entrar no apartamento. Quando pôs a chave na maçaneta, ela foi empurrada contra a porta e ouviu a voz do ex-namorado dizendo coisas sem sobre não ficar com mais ninguém se não fosse com ele. Então ela desmaiou.

O celular de Julia tocava sem parar e foi isso que a despertou do desmaio. Ela tentou se arrastar em direção a porta, mas a casa estava toda revirada e ela não conseguia passar por um sofá que estava virado de ponta cabeça fechando a passagem para a porta. Ela começou a chorar e rezar para que alguém pudesse ajuda-la. Novamente ela desmaiou.

Algumas horas antes, Julia havia saído da casa dos pais muito irritada e batendo as portas. Ela viu seu pai tentando correr atrás do carro dela, mas ele nunca conseguiria alcança-la. Pelo retrovisor ela viu o pai parado no meio da rua olhando para ela.

De volta para sua casa, o pai se sentou em sua poltrona e começou a chorar copiosamente. A mãe sentia muito a falta da filha, mas entendia os motivos do pai, que sempre trabalhou muito duro sacrificando sua saúde e a convivência em família para poder dar um lar e um futuro melhor para a filha e esposa.

A mãe foi até o pai que chorava em silencio sentado em sua poltrona, beijou seu rosto e segurando suas mãos disse que sabia que ele havia sido um bom pai e que no fundo a filha também sabia. Dizendo isso ela o abraçou e assim ficaram por bastante tempo.

Julia foi acordada pelo barulho de sirenes que vinham muito ao longe, do celular que não parava de tocar e pelas mãos de alguém que estava tentando solta-la.

Ela estava de lado enquanto a pessoa soltava suas mãos. Quando se libertou, virou o mais rápido que pode para ver quem era e em meio a toda aquela fumaça, ela conseguiu ver o rosto do pai que pedia para ela aguentar firme. Ele dizia que estava ali para salva-la e que tudo ficaria bem.

O pai pegou a filha no colo a tirou do apartamento. Quando estavam saindo ela tentou falar algo, mas o pai disse que sabia e que também a amava. Ele pediu para que ela não tentasse falar e poupasse energias. Os olhos dela se encheram de lagrimas, mas dessa vez eram lagrimas de alegria. Então se deixou desmaiar mais uma vez.

Quando Julia acordou, ela já estava no quarto do hospital. Havia policiais na porta e sua mãe estava conversando com eles.

Uma enfermeira viu que Julia havia acordado e chamou os policiais. Um oficial entrou junto com sua mãe e ela viu sua mãe chorando.

- Mãe, onde esta meu pai?

O policial se aproximou e disse:

- Senhora Julia, antes de eu deixar você e sua mãe a sós, você poderia me dizer se foi essa pessoa que ateou fogo em seu apartamento? – dizendo isso o policial mostrou uma foto do ex-namorado de Julia.

Ela achou estranho o policial não deixar sua mãe responder, mas mesmo assim meneou a cabeça afirmativamente dizendo em seguida, que sim, havia sido ele mesmo.

O policial agradeceu e disse que as deixaria sozinhas agora, mas que assim que ela tivesse alta, deveria passar na delegacia para as formalidades legais.

Quando o policial saiu do quarto, a mãe foi correndo até a filha a abraçou o mais forte que pode. Muito emocionada ela não conseguia falar e só chorava.

Julia que também chorando emocionada, esperou a mãe se recompor e perguntou novamente:

- Mãe, onde esta meu pai? Ele esta bem? Porque ele não veio comigo na ambulância? Se não fosse pelo papai eu não estaria viva! Eu quero ver ele mãe! Porque ele não esta aqui?! – As lagrimas rolavam de seus olhos enquanto falava.

Sua mãe que voltou a chorar não estava entendendo o que a filha estava falando.

- Filha. Seu pai não esta aqui porque ele faleceu hoje, logo depois de você sair de casa.

Julia ficou atônita.

- Não pode ser mãe! Ele me salvou! Ele me tirou do apartamento em chamas e me levou para fora do prédio!

- Filha, não pode ter sido seu pai. Eu estava com ele. Ele teve uma parada cardíaca e faleceu em casa. Eu tentei falar com você, mas seu celular só chamava. Eu já estava aqui no hospital quando me ligaram dizendo que seu apartamento estava pegando fogo e que você estava sendo trazida para o hospital.

Julia chorou muito e apesar de ninguém acreditar, ela sabia que havia sido seu pai quem a tinha salvo de morrer naquele apartamento. Quando se recuperou, Julia fez a última vontade do pai e voltou a morar na casa dos pais, para a alegria de sua mãe e de seu pai, que ela sabia, era seu anjo da guarda.

Fim

Igor Martins
Enviado por Igor Martins em 19/08/2015
Código do texto: T5351941
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