Os últimos dias de Pompéia

O Walter era dos últimos da turma. A ordem alfabética claramente o desfavorecia. Mas ele tinha os olhos postos em cousas mais sublimes do que as meras anotações escolares: vivia de sua paixão pelos escritores, filósofos, músicos, e tudo que fosse e soasse germânico. Talvez por influência do pai, que ornava sua Alfaiataria Impéria com gravuras, em crayon, preto e branco, de Dresden, Leipzig. E as más línguas diziam que só lá não metia o Fuehrer para evitar complicações com a polícia...mas que seguro, e de gravata, numa gaveta ele estava...

Mas o que o Walter não contava era que justamente ali no ginásio, onde apenas se iniciava, iria encontrar algo que lhe sobrepujasse toda germanofilia, tão ciosamente guardada e confiada apenas aos mais

próximos a quem tinha como amigos do peito. E que eram poucos, com efeito. E logo ele que por "Amigo da Onça" fora apodado, a título de caçoada e de alguma semelhança física com traço imortalizado do humorista Péricles, sempre presente n'O Cruzeiro - e agora, ali na sala de aula, odiando aquele bando...

E afinal, o que mais poderia atormentar a já pressurosa e angustiada mente do amigo Walter? Nada mais, nada menos do que a forma mais mediterrânea e corrosiva da expressão do Cupido que, diferentemente

da racionalidade saxã surgiu na figura envolvente de Pompéia - envolvente, e vulcânica.

A jovem Pompéia, já prestes a concluir o curso ginasial - que Walter apenas começava - era a definição acabada, viva, que um Ticiano, um Botticelli poderiam apenas abstrair, sem lograr pra tela passar, tal o seu esplendor.

E lá se foi o conforto interior que Walter alcançava com um Brahms na vitrola, ou um Goethe à cabeceira. Chegou até a odiar aqueles monstros sagrados, atazanado que foi pela picada incessante da lembrança da silfídica silhueta de Pompéia. Ele que já era de pouco dormir, a cama passou a lhe arder como um braseiro.

E neca de concentração para a matemática de Dona Hortênsia, o Francês de Lenita "Le Pupître", ou o Português de Longuinho. E a Geografia de Nazaré ou a História de Sálua que fossem às favas. A própria genitora, vendo a crescente inquietação do rapaz, cuja voz ia oitavando, em aparente gesto devocional, ou entregando tudo ao celestial, chegou a chamá-lo de galo de São Roque. E não foi o final toque.

Nada mais lhe entrava na cachola que não fosse a ardente marola do Cupido que flecha e não consola. E para o mal de seus pecados - solitariamente cometidos - eis que o cinema da cidade coloca em cartaz - anunciando em alto falante na voz retumbante do José Maria 'Pufo' Porcidônio, "em duas sessões, às dezenove e vinte uma horas, no sábado e no domingo, a magistral película, com ....e ...: Os últimos dias de Pompéia!"

A classe caiu em cima. E só não mais gozou porque daquela vez, a favor do amigo - é verdade o que lhes digo - em ação entrou Vesúvio, o vulcão, sepultando em cinzas todo ardente coração.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 19/08/2015
Reeditado em 15/07/2021
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