Onofre sofre?
De todas as gravuras sacras da casa de Vovó, e d'alhures, aquela de Santo Onofre era a mais intrigante. Singela nos traços, colorido, tamanho e moldura, chamava a atenção, contudo, pelo forte conteúdo imagístico que sugeria: aquele homem nu, por mais virtuoso que fosse, podia ser santo?
Claro que ali estava o sinal do despojamento absoluto, e até da aplicação prática daquele ditado então corrente que indicava que quando eram escassos os meios, sua distribuição forçada correspondia a despir um santo para cobrir o outro.
E pelo jeito, a túnica de Santo Onofre devia estar então agasalhando outras santas carnes. Afinal o hábito faz o monge - e na falta dele, do hábito, o que não faria de u'a monja, no sentido de lhe exaltar e exalar as mais fecundas e jocundas virtudes... ?
Mas foi a Santo Onofre que coube essa sacra exposição. E, aparentemente, para bem protegê-lo - tanto da friagem quanto do eventual olhar caliente da sacanagem - houve por bem o Espírito cobri-lo só de pêlos. Ainda que perfeito asceta, ficou mal, do lado de esteta.
E por mal dos pecados, ainda haviam de coincidir, e colidir, ali naquele nosso humilde e timorato burgo, a Velha Serrana, o nome do Santo cabeludo com o do bordeleiro, um Onofre, dito Tatu, politiqueiro e abelhudo - que já havia até sido ameaçado de excomunhão pelo
pároco local.
Diante dessa constatação e da irriquietude dos sobrinhos, Tia Isabel achou melhor desnudar a parede, e meter o peludo Santo no baú. O outro Onofre, além de Tatu, já era tabu.