Barriá e caiá
Peguei vovó com a mão na massa. E ela, em plena execução da obra ainda me explicou, paciente: agora é barriá e caiá. Não havia ficado uma gracinha, mas era o seu forno de quintal. Formato arredondado, um suspiro para a fumaça escapar e lá estava quase pronto, pendente apenas das duas etapas descritas por vovó, a Dona Inhana, dum já grisalhante piticó.
Eu já havia provado e aprovado - não com muito entusiasmo, tenho que admentir...- seus biscoitos fritos, feitos de polvilho, e amantes diletos dum banho na gordura de porco fervente, agora podia me preparar para as roscas, os biscoitos de queijo, os tarecos e eventualmente, quem sabia?, um leitãozim assado?
O forno estava lá e com menos de uma semana já teria condições de uso. A freqüência da produção de quitandas - e que tantas - é que não era muito regular, pois era a vovó que cabiam todas as incumbências da cozinha, para uma filharada arada que parecia ter vindo das grandes secas do Ceará e que deixava todo o seu tempo útil consumir-se pela fábrica de tecidos, a fapa. Daí, o tempo que sobrava para a quitandagem era mesmo limitado, e sujeito à disponibliidade dos ingredientes cujo fornecimento se regulava com a abertura das portas da cooperativa, que abastecia de gêneros básicos o operariado da fapa.
As esperanças contudo, sobreviviam como podiam. Nesse meio tempo era hora de mexer no quintal de vó, que era atribuição zelosa e inoperosa de tia Vicentina, sua filha mais velha. Naquela época, dona duns cinquenta e tantos anos, e pouco confortável com a sapateação de pirralhos em seu arremedo de quintal. Era boa, inobstante. Mas pouco ouvida.
Vovó, havendo já perdido o liame mais forte e dominador com os filhos semi-desgarrados, conseguia, naturalmente, atrair a geração seguinte de meia dúzia de netos.
Deu vontade de vê-la de volta na cozinha, para nos servir aquele café de cafeteira de latão, mas sem as quitandas, não carecia não. Não faltaria ocasião. Após a barreação e a caiação.