Ao Querido Brasileiro
A ti, brasileiro, não há uma palavra de ordem, mas sim, unicamente um verbo de apelo. A fala direta e coerente é vista aos maus olhos nesta nação desprovida de discernimento próprio; por isso, se aqui eu falar com suma sinceridade e abertamente, mil críticas de hipócritas irão abafar o significado da ideia central. Por este motivo, os falarei em puras metáforas, e somente aqueles que compartilham desta visão, poderão me entender. Porém, prometo que tentarei expor este raciocínio, de maneira que fique claro para todos.
A ti, querido brasileiro, e incluo-me nestes milhões de destinatários, pois nunca hei de negar esta nação, somente digo que és um grão de areia no deserto, mas para melhor mensagem, posso dizer que é unicamente uma gota d’água no oceano.
A ti, meu brasileiro, digo que nosso povo é um mar que estende-se por milhões de territórios. Cada um com seus sabores, sons e cores. E sobre estas águas assentam-se duas grandes ilhas, de diferentes aparências, mas comuns interesses.
Por um lado, a primeira surge com o sentido da exploração. Ali erguem-se os mastros da falsa ordem e oblíqua democracia. Os interesses reluzem sobre o sol de todas as manhãs. Sofrem os escravos negros, vermelhos ou brancos; basta estar abaixo das falas persuasivas e acreditar nas promessas.
O senhor desta ilha é um homem de terno. E o evangelho deste povo é o discurso eloquente com palavras bem elaboradas. Amantes da boa vida. Boêmios que não são vistos pela noite. desviam as moedas de ouro de nosso tesouro para enriquecer suas próprias vaidades.
O que reveste a grama são unanimemente tapetes que ninguém os pode tocar, tudo para não descobrir toda a sujeira ocultada abaixo. A varredura é primordial. A omissão é protocolar. A visão das vantagens é o primeiro requisito para se tornar um mariola. Estes são homens de fretes e peitas, que flertam com a própria imoralidade.
Já pode-se dizer que o rei desta ilha não é um homem, mas sim um sistema corrompido. E apresenta-se na imagem enrugada de quinhentos sujos anos. O cintilar das águas lhe permite usufruir de um reflexo, porém a personalidade de pária lhe faz cuspir nas ondas.
Acalma as águas para não ver a fúria com o cair da chuva, mas mergulha em suas correntes depois que chega o sol. Não há mais utilidade, ninguém morrerá de sede enquanto controlar as ações do mar.
Já a segunda ilha, chegando sobre o mar na quinta década do século passado, antes fora um quadro matizado de preto e branco. Hoje é um falso paraíso com mil cores. E seus governantes são fisioculturistas de ambos os sexos, que vivem para impor padrões materiais às gerações incapazes de raciocinar.
Efervescente como a Florença herege, antro de meretrizes como Babilônia, e local de centros corporativistas que guerreiam entre si, como os grandes impérios pagãos que escreveram páginas pervertidas e sanguinolentas em toda a história.
O maior alimento da satisfação é a alienação que submete a fluência das ondas do mar. A manipulação das águas lhe gera grandes abastecimentos e posteriores lucros. Os negócios dominam o mercado, e o dinheiro é o papel que cobre as paredes.
Há algumas funções principais. Uma é a banalização do sexo e a morte do amor. A beleza é criada a partir do plástico e dos silicones. A desenvoltura é o ingresso para a nobreza. A prostituição é a escada para o sucesso e a idolatria. A vulgaridade é a fisionomia da moda.
É bom que obliterem os conceitos culturais, pois o pensamento ativo gera divagação, e a filosofia é a arma pacífica para combater a opressão. Com isso, em público, para humilhar o intelecto central, um pentagrama foi mutilado de suas notas, e a música foi jogada ao lixo.
Acabou-se a educação e todas as normas cultas e valores morais que a constituição da verdadeira sociedade impôs aos seus elementos. Nada é útil ou necessário, pois no paraíso de todas as cores a nudez é a decoração mais simplória da popularidade.
Lançam nas águas pássaros fictícios de tons luminosos e reluzentes, que roçam nas águas suas penugens cintilantes, tudo para desdenhar do brilho pouco intenso que possui o mar.
E disse que estas duas porções de terra sobre as águas possuíam comuns interesses, e depois de ambas as descrições, já é possível inferir que a analogia de conveniência vem a partir de simplesmente estar ao domínio do mar, que não conhece o próprio poder e a capacidade de mudança e revolução.
A ti, querido brasileiro, digo que estas duas ilhas estão dentro de nossas casas. Pelas ruas. Pelas ondas que transmitem informações. Pelas palavras. Atos. Medidas. Publicidades. Regimes. Imagens. Perfis. Não fora somente uma metáfora avançada, mas sim uma máscara para os verdadeiros sentidos.
Meu brasileiro, se nós somos o oceano, e nossos opressores são as ilhas, como podemos aceitar nos submeter? A vitória exige luta. E infelizmente, mas necessário, a revolta em massa gera guerra.
A ti, amigo brasileiro, abra seus olhos para o horizonte que te escondem. Erga a cabeça para o céu que te tampam. Desfrute do perfume das flores que temos, ao invés de sonhar com jardins ilusórios. Levante suas ondas contra as ilhas intrusas. Defenda suas famílias da imoralidade. Combata a alienação. Apenas não deixe de pensar.
Estas imagens são apenas translações de um sonho aprisionador, também os prenúncios de um pesadelo crônico. Agora já podemos acordar.