Uma Conversa Profunda Com Meu Amigo Imaginário

Mais um fluxo de consciência da minha dependência física de escrever. Dedicado aos ossos do Otto Lara Resende só pra ver se ele se remexe no caixão.

Eram onze horas e trinta & dois minutos quando minha mente se contraiu num espasmo hediondo após tantas & tantas divagações, talvez todas infundadas.

Não aguentando tal pressão vinda dos meus neurônios já quase em ruptura pelo tratamento cruel que a mais de trinta anos exerço sobre ele com minha automedicação a base de marijuana & conhaque Presidente ( neste momento da minha vida ) decidi chamar meu amigo imaginário. Desde as sete da manhã quando fui arrancado impiedosamente do meu sono de beleza por um bronco iletrado de martelo, picareta & furadeira em punho, meu cérebro se pôs a funcionar. Ou melhor, a me atormentar.Era simples contatar meu amigo. Só orar:

“Censura,Censor, Censurar”.

Tão logo minha boca terminara de pronunciar essas simples palavras eis que materializado na minha sala de estar convertida em biblioteca estava meu mestre e amigo ( imaginário ) o grande Nelson Rodrigues! Ele mesmo. O magistral autor de "Vestido de Noiva", "Anjo Negro", "Engraçadinha" e outros bichos. Ou o ectoplasma dele, seria mais apropriado. Vestido como sempre em seu terno da “Ducal”, sapatos de solas grossas, suspensórios, camisa com camiseta regata por baixo & a famosa gravata frouxa. Sentou ao sofá com pano indiano, em seu lugar favorito, e já se atracou aos meus mata ratos de filtro amarelo que ele ama quando visita esse plano astral.

—Lá no “Limbo Poético” onde agora vivo cercado de anjos de asas de algodão & sílfides de teatro sério & do Scassa, do Saldanha e do Barbosa e do Oscar Wilde e do Baudelaire só tem “Caporal amarelinho”. E é pra onde você vai quando desencarnar, meu caro amigo. Mas, quando me convocas, Ó Rapaz, é porque o problema é grave...

—Pior que é Nelson, não consigo tirar esses coxinhas, reaças, pró-milicos & petralhas do meu pé! Não consigo escrever, porra! Tudo saí empolado, cheio de retoques, de quinquilharias verbais. Tudo me vem intelectualizado. Tudo muito pomposo. Quero me livrar desse ranço parnasiano que me tortura. Quero voltar a ser você e o Bukowski e o Hunter, porra!

—Isso é canja, meu filho, pinto. Só eu sei o trabalho que me dá empobrecer o meu texto. E esse nomes que você falou aí, nada de novo nessa terra material. Esses já existiam antes da batalha de Marme & do fuzilamento da Mata Hari ou do Baile da Ilha Fiscal. Não dê bola, nem de cachorro, pra esses aí. Só querem tumultuar. São marxistas de galinheiro. De todas as tendências.

—Disso sei eu, cara. O que eles querem de mim?

—Ora, unanimidade! Toda a unanimidade é burra e querem a sua pena para perpetuar a mediocridade vigente. Ainda atende o próprio telefone como um contínuo de si mesmo?

—Pior que sim. Não suporto mais, onde quer que eu vá, no bar do Sérgio, no Maneco’s , no Mariano até em casa de amigos e nos lupanares só escuto essa gente “dropping names” , Lula, Dilma, Beto, Franschini,Aécio, PT, PSDB, PMDB,PV das quantas, e os cambaus! Puta que pariu, bicho, parece long play riscado e que não para nunca. E nem sei mais quem! Faz quase quarenta e cinco anos que escuto falar que isso aqui é uma merda e começo a botar fé.

—Seis bilhões de anos, meu coração. Desde de que as índias de tanga com fio no umbigo caminhavam pelas areias de Porto Seguro.

—Parece que esta massa ignara não se ligou, não se tocou, não caiu a ficha que o sete a um foi uma metáfora perfeita pra derrocada moral e espiritual dos seus próprios valores vigentes?Merda, fiz de novo, falei bonito. Detesto falar bonito. Quero de volta o excremento, a lama das ruas, a luz vermelha e porre de perder o rumo de casa.

—É que você é um gênio, Töpera, pois só o gênio enxerga o Óbvio. Óbvio Ululante. Se é que me entende. Em 50 o Varella fez a seleção ganir de vira-latas, feriu de morte o povo brasileiro. O meu companheiro de “Limbo”, o Barbosa e também o Bigode me disseram que depois que Vossa Excelência trilhou o apito final naquele oito de julho você fez uma prece e disse “finalmente a alma de Barbosa descansa em paz”. Procede?

—Procede. E quase ganho o bolão. Pena que não assinei. Gritei sete a zero.

—É que a seleção não tem alma, não tem pátria. Quanto “brasileiros” entraram em campo? Responda! Nenhum. E um escrete jogando exclusivamente para um jogador. Lá no “Limbo” tem Globo News,SportTV, New York Times, Washington Post o diabo. Tem até essa tal de internet que me assusta. O Scassa ficou apoplético no fim do primeiro tempo que já ia de cinco pra eles e nenhum pra nos.O Saldanha falou em quebrar caras de dar tiros quando o capitão sentou na bola e chorou antes da disputa de penalidades já na partida contra o Chile. Em 58 sabe o que diziam? Que o Mané driblava prum lado só, que o Imperador de Rancho Didi, não tinha alma e que o Criolo, quem era mesmo? Que o Feolla dormia no banco! Disseram que eles iriam fazer turismo e um minha fé cega e obsessiva que eu estava louco. Louco. Em setenta, então, campanha assassina contra o João e deu no deu. Ganhamos o caneco andando, mas você ainda é broto. Nem era nascido quando levantamos o tricampeonato.

—Quer um conhaque? Uma cerveja? ( Tinha me esquecido que ele não bebia, adoro quando ele me chama de broto e garoto, me sinto bem. E Nelson baixou a cabeça e balançou negativamente e pediu água da bica. Foi a cozinha e servi uma bela dose dupla pra mim e um copázio da água pra ele, que como sempre disse, “nossa irmã, a água” com a humildade de um São Francisco de Assis de alpercatas e acendeu mais uns dos meu cigarros o que fiz o mesmo, louco pra acender um baseadão mas me contive ).

—O que me mata é que perdemos 82. O resto é perfumaria. Esse seria o Tetra Perfeito. Não foi.

—Se você raspasse essas barbas faunescas que resolveu usar feito um Otto Lara Resende (sempre esse homem fatal!) iria ter a juventude e vitalidade de quem lavou o rosto a quinze minutos. Já lhe disse um milhão de vezes “só os profetas enxergam o óbvio”.

—Ás vezes, me pego concordando com o Jabor e o Olavo de Carvalho, isso também já é de fuder!

—De arder! De arder! O Jabor é um bom rapaz. Já o Olavo de Carvalho é uma grandessíssima besta. Ele parece querer escrever como eu só que se leva a sério. E esse outro menino, aí? O Lobo?

—Esse é outro pequeno burguês babaca que não emplaca e vive mendigando espaço com suas bizarrices e maus modos e quer dar uma de “antena da raça”, como dizia o Gláuber. O Caetano é invencionice do Pasquim e tá mais obsoleto que o espartilho da Sarah Bernhardt, o Chico fala bem do Brasil lá de Paris, o Gil foi ministro e agora ele e mais o Caê foram dar show em Israel. E entre o “The Wall” e o “Araçá Azul” em fico com o “The Wall”. Mano, ( olha a intimidade que eu tenho com meu amigo imaginário! ) quando vi este filme comecei a olhar pra dentro de mim mesmo! Acho que no Brasil um cara lúcido é o Ney.

—Ney Bianchi?

—Não. O Matogrosso. O que ele falou na TV portuguesa foi o resumo do que penso.

—O que ele diz que você pensa?

—Que tá tudo uma merda. “Point of no return”, sacumé? Que é tudo maquiagem barata e que o Lula, a Dilma e o Aécio são uns cascateiros, morou coroa? Só faltam voltar os hippies. E olha que já tem um bando deles pra fazer passeata. Você ficou sabendo das passeatas? Das “manifestações”? Parecia escola de samba e torcida organizada. E os panelaços então? Só a burguesia idiota que sempre votou errado desde 89 aderiu.

—Rapaz, você é muito inteligente, contudo ainda é ingênuo e romântico: passeata é isso mesmo, meu doce de coco, a grã-fina de narinas de cadáver, o intelectual que lê as orelhas do Marcuse, o “padre de passeata”, o cineasta que não tem filme, o poeta que não faz versos, “as estudantes de psicologia da PUC” que não estudam e "fazem análise e pioram a cada 15 minutos”, as “amantes espirituais do Guevara”, os religiosos que abdicam da vida eterna pelo "realismo socialista, você reparou se tinha algum preto, algum desdentado, um reles torcedor do Flamengo ou do seu ex-Atlético, um barnabé no meio de tudo isso?

—Claro que não, né Nélson? Bebeu? Não. Quem tá bebendo aqui sou eu. Baixaram os paus nos profes e agora não é mais Tribunal de Justiça agora é MP que comprou a parada, vamos ver. Sem nutrir esperanças é a melhor forma de se viver nesse lugar. Os milicos queriam impedir Cuba no Brasil e o que esse lixo virou? Cuba! Dilma construiu porto lá com a minha grana e com a morte dos dois Fidéis, que é pra mais dez anos, o Hussein vai voltar a ter resort de luxo pré-revolução com Fulgêncio lambendo rapadura e tudo que tem direto. O que tinha por aqui era gente de camiseta do Neymar Jr. De 150 conto! E o Lula! Faz sei lá quantos anos que o cara desapeou do poder e não tem um dia que a cara do sapão não aparece nos jornais. A Dilma tá em turnê pra ver se descola algum pra nós...

—(me interrompendo, e com razão) e o “escoamento vacum”?

—Vai bem, obrigado. O Aécio é um bebê chorão que não sabe perder. Pior perdedor é o que não se conforma com a derrota e bola frente, esse é meu lema ( viro o resto do conhaque e peço licença pra pegar mais, acendo mais um cigarro, o cinzeiro de louça cortesia de um bar já está bem cheio , viro mais um trago e continuo ), criado em berço de ouro, cheio de vontades, só no Brasil ser político é profissão.

—Parece que estes livros meus aí na sua estante são peça de decoração. O Lula é o Lula do Movimento Sindical. Esse aí é palestrante. Não é o Lula. Nem o “Anti-Lula”. É o “falso Lula”. Nem o Presidente Lula. Agora é Palestrante. A Dilma sim, é a “Anti-Dilma”. A Dilma foi vaiada no Mario Filho por lorpas e pascácios do eleitorado dela mesma, aposto que a Dilma quando entrou no ex-Maracanã perguntou aflita “Quem é a bola? Quem é a bola”, não a Dilma guerrilheira que foi presa e torturada, é essa aí do Hussein e do Putín é a “Anti-Dilma”. Seremos para além da vida e da morte o país do samba & do futebol...

—Infelizmente...

—"Você ainda tem pão pra barrar margarina por cima, Ó Menino". O Aécio nem entra na equação porque tem que ser "amarrado de quatro ao pé da mesa e dado de beber em cuia de queijo Palmira". "Comunista leva pai pro hospital? Comunista corta carótida do pai com garrafa de Brahma Chopp", meu jovem. E não é porque é neto do Tancredo não. E você falou do Chico. Ora, o Chico é o “Anti-Chico”. Um arremedo patético do Gilberto Amado que não enxerga no Brasil um pulha, um ladrão um escroque!Ora veja. Um bigodudo granadeiro? Sossega a periquita, Töpera! O Chico é das modinhas e das janelas. Esse Chico que está aí nunca foi ou será o Chico. O Chico quer matar o Chico e não consegue nem a tiro!

—O comunismo está vivo?

—“Eles” sempre pensaram que sim.Desde a "Revolução". "A burrice é eterna, Leonardo da Vinci vai passar, mas a burrice fica". Basta ter livros de Marx & Hengels & Trótski para se dizer comunista. É parte mais fácil da trama. Agora dizer que o Stálin e tão assassino quanto Hitler ou Pol Pot é outra História.E eu quero mais que a "História vá pro inferno e que Marx vá tomar banho". Esses "marxistas de galinheiro" é só pose, meu velho amigo. Ah já te disse que o Marx também era "marxista de galinheiro", não? Só que “idiotas da objetividade” e os “idiotas chapados” são a grande maioria, “maior que assistência de Fla-Flu”, e ele tem a dita..., como vocês, rapazes, falam? Mídia? Eletrônica? Ah, virtual. E esse são de matar!

—Tá foda escrever no meio dessa barafunda que a Ibéria nos infligiu.

—E eu, seu sacripanta incensado, santo do pau oco, como é que lhe chamaram dia desses no jornal? “Poeta ébrio do underground”? Seu santarrão. Cachorro! Cavalo! Que tive minha obra censurada, interditada, mutilada. Um vereador, certa vez, queria fuzilar o meu texto! Nunca uma voz se levantou ao meu favor! Em defesas de minhas peças! Que são morais! Sim, senhor! Morais! Assim como as do Plínio Marcos! Sempre a "unanimidade burra"! Ser traído no seu próprio jornal?! Padecer da "sede de um elogio"? E você levado as alturas! "Poeta Ébrio do Underground"! Do subterrâneo de Dostoiévski, rapaz, Dostoiévski!Ou quer ver o Vianinha? O Guarnieri? Ou o Rangel? Ou o Zé Celso?

—Nelson, não obrigado. Sou grato pelas suas e do Plínio.Porém esse elogio me incomoda e não me pagou nenhuma cueca limpa por enquanto. Prefiro ver o Rossini naquelas cadeiras horríveis da Ópera de Arame. Mas vamos encerrar que eu sei que sua úlcera ainda lhe incomoda quando passa da sua hora de comer. E agora?

(ele não responde de imediato. Com seu aguçado senso teatral me fila mais um cigarro, aciona meu isqueiro e acende, dá uma tragada e solta fumaça numa dramaticidade quase incorpórea)

—Minha úlcera ainda dá "arrancos triunfais de cachorro atropelado", meu jovem poeta. Posso apenas lhe dizer que não é nem “Otto Lara Resende” muito menos “Bonitinha, mas ordinária”...

—“O mineiro”(...) ia lhe dizer solenemente mas ele me tesourou a tempo, graças.

—Sei que tem planos de viver no Uruguay. Contudo se essa "feia e cava depressão" não sair de você aqui em Curitiba, ela estará com você em Montevidéu. A depressão seja ela "pequinesa, congolesa, tirolesa ou mongol" será sempre a "feia e cava depressão". Escreva! Não ande em “passeata, assembléia, comissão ou sindicato”, “a alma mais nobre é a que está mais só”."O Inimigo do Povo" de Ibsen que vejo logo ali. Você não precisa ser um “Rimbaud de si mesmo” - o tempo todo -porque já o é."Seja burro, Töpera, seja burro!" Já amou. Já odiou. Já chorou. Não é você mesmo que diz que o “amor muta”? Então não precisas de minhas respostas, Ó rapaz! Faz as perguntar corretas, como sempre as fez.

—Alguma sugestão?

—Yma Sumac! Ou Vicente Celestino para uma “suave embriaguez auditiva”. E sempre atento aos paus d’água de todas as épocas! Agora tenho que subir ( ou descer, nunca sei ao certo ) porque hoje tem ensopadinho de abóbora com carne seca lá no “Limbo” e eu quero matar essa fome do que comi na infância.

—Porra, Nelson, você é o melhor amigo imaginário que eu tive. Ou melhor, é o único. Sou complexado porque todas as crianças que eu conhecia na escola tinha amigos imaginários menos eu. Essa sensação que tenho que todos vem com manual de instrução, menos eu. Coisa de filho único de mãe viúva ,saca? Você saca esse negócios, como saca pra burro de mulher. Eu sou besta e sempre me apaixono...

—“O amoroso é sincero até quando mente”.

—É só isso o que eu tento desesperadamente fazê-las entender.... algo tão simples e sempre me estrepo...(dessa vez eu suspirei )

—Espeto, meu filho, espeto...A conversa tá boa mas tenho que ir.

—Legal, Nelson, a gente se vê na próxima crise existencialista ou seja lá qual delírio sartríano estiver me aporrinhando.

—E Töpera? Capricha! Ok? Bye,bye!

Curitiba, 15 de maio de 2015, 16 graus célsius, Inverno.

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 15/07/2015
Código do texto: T5311923
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