O telefonema
O telefone tocou, uma voz feminina, desconhecida, parecia jovem, disse:
- Júlio? Venha me encontrar na Confeitaria Colombo, no andar superior.
- Quem está falando?
- Não falarei agora, apenas venha, hoje quinze horas.
- Como vou saber quem é você?
- Quem sou eu? Ao chegar logo saberá. Não falte. Assunto de extrema importância.
Que maluquice era aquela? Deve ser trote, pensei. Tentei esquecer. Não consegui.
Saí de casa apressado. O sol estava forte, não me recordo qual era o dia da semana. Tomei o ônibus e conforme o centro da cidade se aproximava, meu coração começava acelerar.
Cheguei uma hora adiantado entrei na confeitaria, pedi um café e fiquei observando cada pessoa que chegava: homens, descartados. Mulheres idosas também. Poucas mulheres jovens. A maioria acompanhadas de seus namorados ou de pessoas mais velhas.
Comecei pensar na possibilidade de trote. E se fosse o pessoal da Faculdade. Talvez cheguem a qualquer momento e riam de minha ingenuidade. Mas, se não for? Do que se trata? A voz pareceu aflita e meio agressiva. A curiosidade me consumia. Pedi outro café. Nada.
De repente, uma linda mulher desacompanhada. Seria ela? Mas ela disse que eu a reconheceria. Não é o caso. Outra entrou achei que a conhecia “de algum lugar”. Logo, ela sentou-se com um grupo de barulhentos rapazes que acabavam de chegar. Comecei, outra vez pensar que havia sido enganado. Brincadeira idiota! Não consegui levantar para ir embora. Afinal agora são três da tarde. Esperei mais um pouco. Outro café. Já estava ficando enjoado.
Passados alguns minutos ela entrou. Seria realmente ela? Mas, não a reconheço. Cabelos castanhos, lisos. Olhos também castanhos, amendoados. Roupa discreta: jeans e camiseta. Não sabia quem era, mas torci para que fosse ela. Levantei-me e fui em direção a moça que tanto me impressionara. Cumprimentei e disse:
- Meu nome é Júlio. Isto lhe diz alguma coisa?
Ela com expressão de surpresa respondeu:
- Não, deveria?
Senti o chão se abrir abaixo de mim. Corei. Fiquei todo atrapalhado, pedi desculpas, já ia pedir a conta e sair. Ela, então, sorriu e disse:
- Calma, do que se trata?
Sentei, ou talvez deva dizer que despenquei sobre a cadeira.
- É uma história muito maluca, disse. Alguém marcou um encontro comigo, por telefone, mas não se identificou. Apenas disse meu nome e que eu a reconheceria.
- Mas, nós nos conhecemos? Acho que não. Ana Laura, muito prazer.
Eu, que não sou dos mais tímidos, definitivamente não sabia o que dizer.
- Peço desculpas, acho que já te incomodei bastante...
- De jeito algum. Não vai me perguntar o que eu vim fazer aqui?
- Seria muito atrevimento de minha parte, disse agora menos atrapalhado com as palavras.
- Pois bem, também recebi um telefonema estranho. Um encontro aqui na Colombo, local que jamais entrei, apesar de ter passado centenas de vezes em frente.
- Eu também, disse eu.
- Pois então, me deixe continuar. Vim por pura curiosidade, achando que podia ser trote. Uma voz masculina disse ser assunto de meu interesse. Mas, não se identificou. Desligou e como eu sou muito curiosa, aqui estou.
A partir daí conversamos um pouco e saímos pelo centro da cidade. Fomos ao Real Gabinete Português de Leitura, pois ela disse que fazia o curso de Letras e precisava consultar livros de Fernando Pessoa. Emocionou-se até às lágrimas com os poemas. Depois tomamos sorvete na Cavé e terminamos o dia com uma sessão de cinema: reapresentação de A Noviça Rebelde, ela disse já ter visto muitas vezes. Eu, era a primeira. Lanchamos e lá pelas dez da noite fomos ao Passeio Público de onde partia o ônibus que me levaria até o glorioso bairro do Irajá. Ela disse que morava em Botafogo e tomaria um taxi. Nos beijamos, trocamos números de telefone e fomos para nossas casas.
No dia seguinte fui até à Faculdade onde assisti às aulas com pouca atenção, pois só pensava em reencontrar Ana Laura. Eu tinha tentado ligar de um telefone público, mas ninguém atendeu. Em seguida ocorreu um fato que me perturba até hoje. Detalhe, estes fatos são do início dos anos oitenta. Fui até a secretaria da Faculdade, para entregar alguns documentos. Ao abrir a bolsa, usávamos bolsas que foram posteriormente substituídas por mochilas, encontrei junto aos documentos um retrato: era Ana Laura. Fiquei absolutamente surpreso. Não mais do que a secretária que me atendia.
- Que brincadeira de mal gosto é esta rapaz. Não tem respeito não?
- Eu? O que foi que fiz? Este retrato...
- É de Ana Laura, disse ela.
- Pois, então, é ela mesma, nos encontramos ontem.
- Acho difícil, sabia que ela é filha do Dr. Carlos Augusto, o sub-reitor?
- Caramba,fui sair justo com a filha do sub-reitor...
- Impossível, ela esta morta, suicidou-se há uns cinco anos.
Não me lembro que reação tive. O retrato permanece até hoje comigo.