Cidade das mulheres

Numa certa manhã de junho de 1940, na cidade fictícia de Rose Vert, na França

Um grupo de nove soldados esfarrapados e esfomeados entra na cidadezinha francesa de Rose Vert, causando pânico na população. A maior patente dos militares é a do sargento, um magrelo chamado Michel, que decide conversar com a líder comunitária da aldeia, uma velha de cabelos brancos encaracolados e despenteados, de nome Marianne, que anda auxiliada por um cajado e uma empregada. O sargento informa que o exército francês foi impiedosamente derrotado pelos alemães de Hitler, e ele e seus homens estão de volta ao seu quartel na distante Lyon.

A anciã, mais espantada que Saturno sem os anéis, diz que ninguém na cidade conhece algo sobre outra guerra, alemães, riter, nazistas, etc. O último grande conflito de que ela se lembra é o de 1914/18, no qual seu marido e seus três filhos lutaram e perderam a vida nas trincheiras. Michel, desconcertado, não compreende como uma cidade francesa nada sabe sobre a declaração de guerra da Alemanha contra seu país e a consequente invasão de território pelos nazistas. Sem contar que o francês falado na cidade é estranho. Não é pronúncia de caipira, é esquisito, mesmo.

A velha líder conta então que Rose Vert suspendeu qualquer vínculo ou contato com o Estado francês em 1918 e nunca mais ninguém da comunidade visitou outra cidade do país e os habitantes vivem totalmente isolados das demais populações francesas, sem jornal, rádio, telégrafo ou outra forma de comunicação. Diz Marianne que foi a única forma de romper com a França, que obrigou menores de 14 anos a lutar nas trincheiras da Primeira Guerra. A cidadezinha perdeu quase todos os seus homens e desde então, como vingança, rompeu qualquer tipo de ligação com outras cidades do País e principalmente com o governo central, em Paris. Por ser pequenina e inexpressiva, ninguém no país observou tal distanciamento. Só mantiveram as escolas, mas com os mesmos livros de mais de vinte anos.

A população feminina ficou muito maior que a masculina, em Rose Vert. Na verdade, mais que o dobro de mulheres, sem contar que os poucos homens que sobraram eram garotos menores de 14 anos. Após o isolamento, a aldeia estabeleceu leis próprias para conviver com a escassez masculina. Foi permitido um homem ter duas esposas e até uma terceira como amante. Uma forma de um dia equilibrar novamente a população masculina e feminina e não deixar a vida se extinguir na pequena cidade.

Mesmo assim, havia ainda muitas mulheres solteiras, viúvas e outras virgens, que nunca tiveram os carinhos e os prazeres de um contato com homens. Marianne, após perder o marido, nunca mais teve relação com o outro sexo. Apesar do nome, Marianne é a personagem símbolo da República Francesa, ela não quer mais saber do Estado, dos governos e de suas leis.

Estupefato, o sargento Michel deixa a cidade com seus homens, depois de comerem e trocarem de roupas. Não entendem o que ocorreu com a pequena Rose Vert. Alguns dias depois, os tanques e os aviões alemães bombardeiam a pequena aldeia, mesmo sem qualquer reação da população local. As armas e as munições dos aldeões são tão antigas que a maioria não mais funciona. As casas são derrubadas e incendiadas e assim Rose Vert é varrida do mapa francês, embora não constasse nele. Só sobraram Marianne, seu cajado e sua empregada. Elas estavam colhendo uvas a quilômetros dali.