759-CORTAR O MAL PELA RAIZ
Há certas expressões que ficam na memória. Na memória da gente, na memória das pessoas e na memória da história. A memória da gente é sempre afetada pela fantasia, pelos preconceitos e pela censura. A das pessoas é mais deformada pela mania de aumentar sempre o fato. E a História é a menos confiável das memórias, pois atende a interesses vários, é censurada e muitas vezes, banida, cancelada, deletada (para usar uma forma moderna).
Nas cidades do interior, os fatos pitorescos são lembrados e relembrados, e se tiver um mote, uma expressão agregada, então perdura por tempos e tempos.
Carlim Gomide usava , como se fosse um cacoete, uma expressão que era a solução final para todos os males e problemas da humanidade.
— Pobres? Se eu fosse o prefeito, cortava o mal pela raiz: despachava todo mundo para outras cidades, não ficava um aqui prá contar história.
Usava em todas as situações, inclusive nas brigas que tinha com a esposa, dona Vicentina, costureira competente e de grande clientela, com ateliê em cômodo da sua própria residência, responsável, aliás, pela manutenção da casa, que o marido não era dado às lides trabalhistas. Brigas que aconteciam nos fins de semana, quando Carlim passava as noites na boemia, e acabava sempre na casa de Mimi Gardênia, a cafetina que mantinha as melhores “meninas” da zona.
Ao chegar ao lar, não importando a hora, se de madrugada ou de manhãzinha, a cena se repetia.
— Ainda vou cortar o mal pela raiz! — Prometia ou ameaçava, não se sabe bem, à esposa, no meio dos entreveros verbais entre os dois.
Até que em uma madrugada (a bem da verdade, o sol já clareava no horizonte) a briga foi monumental. Ante o desplante do marido, que chegou com o colarinho manchado de batom, dona Vicentina não se conteve. Esqueceu a educação e desancou Carlim. Palavrões de todos os tipos, e até uma vassoura foi empunhada pela ultrajada esposa, no auge da discussão, que só não atingiu o marido quando ele falou mais alto:
— Já disse que um dia eu iria cortar o mal pela raiz! Pois vai ser agora!
— Pois então corte, seus salafrário, sem-vergonha, mulherengo de uma figa. Chega de conversa fiada.
Carlim gritou mais alto:
— Há! não quer saber mais de conversa, não é? Pois vou cortar mesmo... pela raiz!
Carlim correu até o quarto de costura, onde a mulher tinha a máquina e os utensílios – tesouras, agulhas, dedais, etc. — de uso no ganha-pão da família. Pegando uma tesoura, a maior da coleção, voltou para a sala e defronte a mulher, desceu as calças e a cueca, pegou a ponta da vêrga e esticou-a ao máximo e ameaçando decapitar o causador de toda a confusão da vida, gritou:
— Olhe bem, Vicentina! VOU CORTAR O MAL PELA RAIZ!
Dona Vicentina, que ainda usufruía, mesmo que regradamente, dos prazeres proporcionados pela chonga-longa do marido, apavorou-se ante a perspectiva de nunca abstinência total, pensou rápido e gritou:
— Pare, Carlim! Ocê ficou doido? Pelamordideus, levanta as calças, vamos conversar direito.
Desde então, quando Carlim ainda insiste em dizer que corta o mal pela raiz, risos e gracejos pipocam ao seu redor. A fama cresceu.
Como diz outro ditado popular:
O povo aumenta mas não inventa.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 21 de novembro de 2012
Conto # 759 da Série Milistórias