Ineleito
José Raimundo fugia de sua natural hospitalidade naquela tarde de domingo do longínquo ano de 63. Mal cumprimentou os sobrinhos de sua mulher Nininha, que costumavam visitá-los. Tanto ele quanto ela viam-se na faina de pintar a faixa da candidatura.
Uma trabalheira, o pano estendido no piso cimentado da varanda de
entrada, lata de tinta a óleo verde, a que se adicionara leite para render melhor, a meninada em volta, querendo ajudar a acabando a empalhar.
Mas estava iluminado o rosto do bom José, que era Soares de família, mas melhor conhecido por Redondo. Uns poucos o chamavam até por Zé Bombeiro, em razão de seu trabalho na Prefeitura, que se lhe rendia minguada remuneração, tinha o condão de fazê-lo figura respeitada e necessária. Afinal, a distribuição de água encanada era escassa e muita gente tinha que recorrer às cisternas, ao bombeamento, à instalação de serpentinas. E nisso Zé era mestre. Tinha em casa todo o equipamento de abrir rosca, as seguetas, até a almotolia. E esses trabalhos, por fora é que fazia.
E naquela faixa que pintavam em painés anunciava-se a sua candidatura a vereador, um sonho que vinha ganhando côr e cor. José se achava um homem dedicado à família, um profissional de primeira água e um homem interessado na cultura e no bem estar da comunidade.
E por quê não, naquele laivo de vaidade: ser representante daquele povo como edil, na confecção de leis municipais, na determinação dos trabalhos da Câmara, nas propostas de melhoramentos e sobretudo nas graves decisões da municipalidade.
Para a campanha a vereador, conseguiu produzir duas faixas: uma delas com o seu nome completo, o anúncio da candidatura e o partido pelo qual militava. Não era o PTB daquele operariado arruaceiro. Nem a UDN dos elitistas, mas o velho PSD, conservador e mantenedor das boas tradições.
Na segunda faixa, que produziu mais tarde foi mais criativo: colocou o
nome completo e a melhor definição que achou para sua postulação: o candidato dos humildes.
Visitou amigos, conhecidos, parentes e contra-parentes em campanha efervescente, picado pela mosca da felicidade que se lia em seus olhos verdes, serenos, feito um São José de verdade.
De todos recebia as boas-vindas e antes do pleito já ousava jactar-se que somente com o voto dos compadres do Campo Grande (um distrito rural onde se sentia bem popular) estaria confortavelmente eleito.
O apoio dos abastados da cidade também lhe havia sido assegurado, do poeta advogado Guerra ao comerciante de varejo e atacado Carvalho. Isso sem falar no próprio ex-prefeito Morato e familiares a quem tinha oferecido os mais prestimosos serviços.
Sempre serviços. E para enxertar aquele carrocel de votos esperados, visitou a gente mais simples e se sentiu nos braços do povo, eleito, com efeito. Só que, abertas as urnas, não lho confirmou o pleito: chegou a trinta e tantos quando precisava uns cento e poucos votos para se eleger.
Encafuou-se, evitando os contatos mais diretos e tentou descobrir a razão do insucesso, questionando quando possível, um a um, se efetivamente tinha cumprido a promessa de nele votar. Fez as anotações num caderninho escolar e nada da matemática e a esperança andarem de par em par.
Não lhe passou pela cabeça, grisalha prematuramente, a possibilidade de ter incluído o apelido - de que não gostava - nas faixas e nos santinhos que distribuira. Ou se passou, nada revelou. E de urna nunca mais falou.