724-CONFUSAS MENSAGENS DO ALÉM

O mês de agosto, considerado como mês de azar pelos moradores da pequena cidade de Serra Pequena encravada nas montanhas de Minas, revelou-se, naquele ano, como um dos mais assustadores dos últimos tempos.

Como se não bastassem as atemorizantes notícias da guerra — batalhas na Europa, bombardeios no Japão com uma terrível bomba atômica — um zum-zum começou a ser transmitido de boca em boca.

Foi uma mistura de boatos, diz-que-diz e fofocas, ligados às mortes recentes do padre Louzada e do motorista de taxi Damião Chevrolé.

As primeiras notícias vieram de uma manifestação no centro espírita: mensagens recebidas pelo médium Vicentinho, para a viúva de Damião, dando conta da chegada do marido no outro lado.

A irmã Lorena, que contava seus sonhos maravilhosos aos meninos e meninas do jardim da infância, passou a ter manifestações oníricas em que padre Louzada lhe contava coisas do Céu.

E até a Maria Ceguinha, que tinha visões paranormais, recebeu mensagens inexplicáveis.

Tudo teria ficado na zona dos boatos, não fora a argúcia do João Dalí, genro do dono do semanário “O Clarim da Serra”, para o qual escrevia notas, artigos e até um folhetim de rodapé. Dalí foi ouvindo e unindo os fiapos de informações e pode reconstituir a mais estranha história que havia chegado do além.

Resumiu o que ouviu (e mais o que pensou ter ouvido) numa série de reportagens que davam conta dos estranhos boatos que corriam misteriosamente pela cidade.

O resultado foi uma estranha narrativa que até hoje corre o mundo, com se fosse uma parábola ou história de final moral, que se resume a seguir.

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Padre Louzada e Damião Chevrolé morreram no mesmo dia, o mais aziago do calendário, treze de agosto, sexta-feira. Ambos eram homens de retidão e exerciam seus afazeres terrenos dentro de suas limitações. O padre pregava seus sermões metodicamente nas missas das nove horas, aos domingos, entre outras obrigações de seu ministério. O motorista dirigia seu carro com certa perícia, mas era “pé de chumbo”, isso é, gostava de pisar fundo no acelerador, o que resultava em constantes sustos dos passageiros.

Assim, ambos foram para o céu. E coincidentemente estavam próximos na grande fila (muitos mortos nas batalhas) de espera para serem atendidos por São Pedro. Damião estava na frente do padre, o que já aborreceu o clérigo, pois o chofer era espírita. Por isso ficou atento quando viu São Pedro chamar:

— Damião Chevrolé!

— Aqui estou, seu Pedro.

São Pedro examinou os papéis à sua frente e disse:

— Foste um homem trabalhador e honesto. Aqui estão a sua túnica de seda e o sua auréola dourada. Pode entrar.

Em seguida, chamou:

— Padre Louzada!

Ajoelhando-se, o padre beijou a fralda da túnica de São Pedro, dizendo:

— Aqui estou, Santo Guardião das chaves da eternidade!

— Levante-se e deixe de rapapés. Aqui no céu somos todos iguais.

Examinando a papelada, disse:

— Foste um homem cumpridor de seus deveres. Aqui estão o manto de algodão e a auréola prateada, que lhe competem.

Padre Louzada olhou na direção de Damião, que já passeava entre as nuvens com sua veste brilhante e a auréola dourada.

— Deve haver algum engano, Senhor das Chaves do Céu. Eu sou o Padre Louzada. Acho que o senhor me confundiu com o Damião. Ele era motorista de praça, dirigia que nem um louco, seus carro vivia raspando postes e muros e assustava os passageiros. Chegou até a trombar com uma parede. Além disso, ele era ESPÍRITA!

— Sim, tem razão, padre. Mas ele salvou muitas almas.

— Como?

— É que quando o senhor fazia seus longos sermões, os fiéis caiam no cochilo, enquanto que ele, quando dirigia, fazia com que seus clientes orassem e pedissem perdão de seus pecados.

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 13 de abril de 2012

Conto # 724 da Série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 22/03/2015
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