O pau de tio Antônio
A rua onde passei a menininice, e parte da juventude ,era, originalmente, um beco sem saída. Os ditames do progresso, no entanto, fizeram-na vazada, calçada e assaz transitada. Mas é o seu passado que me tem cativo.
Eram poucas e espaçadas as casas e os lotes baldios prevaleciam largamente, para a alegria da garotada que, embora pouca, se divertia à louca, atrás de esconderijos, passarinhos, frutinhas silvestres e, quem sabia, então, de pinturas rupestres?
E onde o beco se confrontava com um quintal, que obstruía seu prosseguimento havia ali, em meio à densa vegetação, uma depressão, a que demos o nome de buracão.
E foi ali que tio Antônio, nosso vizinho, para as emergências, estabeleceu seu reduto. E pelo produto, sem precisar opinião de dotô, passamos a chamá-lo de cagadô. E era o lugar ideal para um obrador de casa, ou de quintal. Não havia praticamente transeuntes - tirante a encapetada meninada - e a natureza, ao redor, sem esforço, inspirava à força maior. Verdade que faltava papel, mas a folhagem dava e abundava.
Tio Antônio percebia nossa diuturna vigilância mas não se apertava. E entre flatos irônicos, soltava também boas gargalhadas. E tanto que se concentrava em suas agachadas, que foi numa delas que se inspirou - prevendo o progresso que iria acabar com aquele paraíso - a criar o pau de privada. Coisa singela, de que veio a se tornar o maior propagador e, quiçá, único usuário: consistia num pau roliço, da espessura de um cabo de enxada, de uns sessenta centímetros, que se colocava atravessado sobre o vaso sanitário, de molde a evitar que a fria louça fizesse mal às calientes e renitentes nádegas.