Garoa

Correu até o Arpoador em uma manhã nublada. A garoa caía em seu rosto. O vento o acompanhava. Aquela era, certamente, uma visão que poucas pessoas conheciam do Rio de Janeiro. Ele tentava não pensar em nada. Tentava esvaziar sua mente das percepções alheias. Mas os pensamentos preenchiam tudo, distraiam-no em sua corrida. Lá, no Arpoador, ele parou nas pedras. Tirou seu tênis. Pôs os pés na rocha fria, molhada. Sentou-se e olhou o mar. Ondas furiosas quebravam na areia da praia. Pensava ele que os dias chuvosos diziam mais sobre si mesmo do que dias de sol.

Depois, voltou para casa. Passou um café. Preto e forte. Colheu um livro na estante. Quis ler algum sonho intrigante de Cortázar. A cada estrofe um sentimento se unia a uma lembrança. Filosofou algo sóbrio a respeito do amor. Mas preferiu não anotar. Achou melhor esquecer. Os cigarros se acumulavam no cinzeiro. A fumaça dançava com o vapor do café. Tango, quem sabe? Ouviu um barulho no quarto, olhou apreensivo, pensou que talvez a casa estivesse tomada. Assim como no sonho de Cortázar.

Ergueu-se, caminhou até o quarto, trancou a porta. Lá, ninguém mais entrou. Ligou o rádio. Tocava Eleanor Rigby. Sentou-se. Levantou-se. Amiúde. Tão inconstante se sentiu. Sussurrou “Ah, look at all the lonely people”, e ouviu ecoar dentro de sua alma. No silêncio interior. Perguntou a si mesmo de onde vinha, sem uma resposta, caminhou em círculos em volta da sala. Aflito. Aquele maldito dia interminável, que mais parecia uma tortura psicológica do pior sadismo mundano.

Ligou a TV, passava um filme francês que já havia assistido pela terceira vez, mas não sabia seu nome. Nunca tivera visto o começo ou sequer tido paciência para ver o fim, mas se contentava com o meio. Era um filme sobre o amor, afinal, “os franceses não falam de outra coisa”, pensou. Tudo inacabado. O filme. A tarde de garoa. O café esfriando. As bitucas de cigarros pela metade. O livro intermitentemente aberto. Um amor não vivido no passado...

Amaldiçoou o sentimentalismo. Embora há muito tempo estivesse se sentindo como um dia silencioso de garoa. “Dostoiévski nunca mais tornou a ver Liza novamente”, pensou de repente. O “nunca mais” soava forte demais. Pesado demais. O “para sempre” parecia demasiadamente longo, sem que houvesse um amor para preencher os dias. Então, pensou, tomado por um desespero instantâneo, em abreviar os dias, quem sabe? Desistiu dessa tolice em seguida. O que haveria de fazer do outro lado, sem os livros, sem os cigarros e, principalmente, sem o café?

As lembranças dançavam com os sentimentos do que foi, mas, agora, restavam-nas, tão somente, como eram. Como um filme francês que reprisava todas as noites escuras e tardes de garoa em sua abstrusa memória. Lembrou de um desconhecido que muito queria conhecer, não se conheceram porque cruzaram lados opostos do cruzamento, mas teve a consideração de olhar para trás e acenar dizendo “adeus!”. Lembrou do soneto que Bentinho nunca fizera. Lembrou do próprio amor que sentira, mas que nunca vivera. Lembrou-se do encontro do pequeno príncipe com a flor de três pétalas, uma flor de nada, uma flor que lhe dissera que aos homens faltam raízes, que tal coisa os incomoda, que o vento passa e os leva. Sentiu pena de si mesmo por breves minutos de consternação. Depois, olhou pela janela. A garoa havia cessado. O sol, timidamente, brilhava no horizonte. Sentiu-se convidado a viver novamente, e sorrir uma vez mais.