Ojeriza à mulher

Além da linda e frutífera árvore e - ironicamente - situação de penúria abjeta, pindaiba teve um terceiro significado na Velha Serrana, que vai-se extinguindo com o passar das gerações: era o nome de um mendigo, amputado de uma perna, que por nossas quebradas e ladeiras muito por lá muleteou.

No dizer de um cronista da terra, um doutor e douto Geraldo Guerra, Pindaiba fora o mais aristocrático esmoler que conheceu: dava-se ao luxo de nada aceitar da mão de mulher. Nem um copo d´água sequer.

A razão dessa ojeriza, nem resultou de pesquisa, foi ao próprio doutor Guerra que o pedinte, num humilde requinte confessou: na juventude, Pindaiba tinha uma tal fixação por mulher que não se descreve nem quando a inspiração quer. E quando então ele teve ao alcance uma revista carioca - isso nos anos trinta ou quarenta - que em preto e branco mostrava mulheres nas praias, corpealma de Pindaíba se incandesceram. Ele tinha por que tinha de ir ao Rio ver de perto aquele paraíso aberto.

E o fez. Tomou trem para Belo Horizonte, trem para o Rio, já no desvario, e quando lá chegou, seu deslumbramento foi tamanho, que

sem saber como e por onde, foi colhido na linha do bonde. Perdeu uma perna, logo abaixo do joelho, ensangüentado, todo vermelho.

Conseguiu se recuperar, voltou ao rincão natal, e se pôs a mendicar, mas manteve o juramento de nunca mais de mulher nada aceitar. E ainda mais pungente foi o arremate de sua confidência ao Dr Guerra:

- E o que não me deixa conformar até hoje, dotô, foi que naquela confusão toda do acidente ali na linha, inda perdi uma calça toda novinha...

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 07/03/2015
Reeditado em 07/03/2015
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