Visão da Virgem
E a notícia espalhou rápida. Como fogo no pasto seco. O menino Darcy do Zé Ieié havia visto Nossa Senhora. Sobre um arbusto, e podia até precisar o local, a data e descrever aquela visão com algum detalhe, pois a vista, no momento, de tão luminosa, lhe obnubilara os sentidos.
Darcy era uns dois anos mais velho do que eu, e colega de minha mana Bebel, na escola, de onde ela nos trouxe, sôfrega, e em primeira mão, aquela insólita novidade. Dona Iria, a mestra, embora mulher de fervorosa fé, havia reagido com cautela, mas não descartava uma possível premiação da Virgem à tão remota, esquecida, e pecaminosa Brumado daqueles anos cinquenta.
Por meu turno, sem o acesso desbragado de Darcy à pastaria, maravilhei-me com a idéia da aparição, e passei a desejar ardentemente sua ocorrência, em ambiente doméstico. E me fixei na imagem de Nossa Senhora, acho que de Fátima, que - na falta dum oratório - mantinha-mos sobre o guarda roupa do quarto de nossos pais.
E a chegada dela seria oportuna e necessária, pois eu tinha algumas obrigações domésticas não-cumpridas e uma sua visão me confortaria e quem sabe não aliviaria o desgosto de mamãe?
E dito e feito: ei-la que, naquele transe, pintou aos meus olhos e fui logo levar a nova à mamãe, triunfante que não era só o Darcy o dono daquele celestial privilégio.
Estupefata, mamãe ouviu meu relato e, ao cabo, fez-me umas poucas perguntas. Eu só me lembrava dum manto azul - que coincidia com o da imagem que tínhamos, e dalgumas outras visões de altares, também similares. Mas não me ocorria nenhum outro detalhe, nem ao menos se ela me dera algum conselho.
Minha visão ficou confinada a esse breve diálogo. As vasilhas aguardavam ansiosas - e gordurosas - minha entrada em ação cristã.