Corte radical
Ah, que sonhos eu tinha de chegar na idade acertada, e na cadeira do barbeiro, duma acolchoada sentada, receber o corte, e que porte, de Príncipe Danilo. Ainda que mal soubesse o que era aquilo. Mas como o nome soava doce.
E entretempo, era pelas mãos de papai que eu e os manos menores vínhamos experimentando as nossas costumeiras mensaleiras tonsuras. E com que agruras. A máquina alemã que papai comprara em Belo Horizonte, embalada naquela caixinha de papelão firme, preto, com aquele rótulo azul onde se lia Haarschneidemaschine, era manual, mas das legítimas: um aço de primeira, de natureza cortadeira.
O problema, contudo, ou eram as saliências de nossas cabecitas ou a destreza ainda por ser adquirida das mãos de papai. E na equalização final, entre pêlos que se cortavam e os que só se mascavam, o que
sempre soía é que aquilo doía. E o pior, era quando a gente se mexia. Danada tosquia.
Mas de lambuja, papai nos deixava um topetinho, que depois era aparado com a tesourinha "Mundial", brasileira, e menos letal. E os sonhos continuavam com aquele danílico corte, inobstante os pesapelos da cruel sorte.
Que um dia chegou, após muitos fanados, muitos caminhos de rato, e
lágrimas bem choradas. Mas qual não foi o meu desapontamento ao ouvir do barbeiro primeiro - e eu, já ginasiano, nos meus onze anos, nem ousara pedir o corte Príncipe Danilo - que meu cabelo, espetado daquele jeito, não dava pra cortar meia-cabeleira. Tinha que ser na base do topete. Eu que me resignasse àquela condição de porco-espinho até que os Beatles aparecessem.